12 abril 2018

Itaú e Carlyle discutem 'carta conforto'

Uma contenda pouco usual está em curso entre a gestora de fundos de private equity Carlyle e o banco Itaú. Os dois discutem uma dívida na Justiça, sobre um empréstimo do banco, feito há 10 anos, para uma antiga controlada do fundo, a loteadora UrbPlan. O montante é de R$ 40 milhões, valor irrisório considerando o tamanho do banco brasileiro e da gestora. A peculiaridade é que esse crédito teria como garantia uma "carta conforto" emitida pelo grupo americano, segundo uma ação judicial. A carta foi escrita no passado para apaziguar uma relação "já sensível", segundo os documentos, entre Itaú e Carlyle e viabilizar a extensão do empréstimo.

A carta conforto é usada por empresas e credores com diferentes finalidades, e não se enquadra em uma legislação específica. "Existem vários modelos de carta, que podem conter obrigações ou somente intenções", diz Ronald Herscovici, sócio do Cescon Barrieu. A carta é mais usada nos Estados Unidos e na Europa - no Brasil, aparece normalmente quando há uma matriz ou controladora internacional, que trata de crédito para subsidiárias. A carta pode prever garantia ou ser só uma espécie de intenção de cavalheiros. No caso da Urbplan, cada parte entende de um jeito: para o Itaú, é garantia; para o Carlyle, era intenção.

Em 2007, o Itaú emitiu uma cédula de crédito bancário (CCB) para financiar a compra, por uma sociedade do Carlyle, de 54,9% da loteadora Scopel - que depois foi renomeada de UrbPlan. O título tinha amortização a partir de 2011, com vencimento em dezembro de 2013. Próximo à data de início da amortização, a gestora pediu uma extensão de prazo, que o Itaú não queria conceder.

Em um e-mail enviado a Jean-Marc Etlin e Alberto Zoffman Espirito Santo, que eram vice-presidente do Itaú BBA e diretor do banco, respectivamente, o então diretor-executivo de mercado imobiliário do Carlyle nos Estados Unidos, Edward Samek, diz que reconhece "a relação sensível existente entre Itaú e Carlyle" - ele não cita as razões - mas pede a extensão de prazo do "pequeno empréstimo" para que o Carlyle não tivesse que usar capital dos fundos para quitá-lo naquele momento, o que "não seria um uso eficiente do capital" dos investidores. As discussões duraram mais alguns meses e, em dezembro, o Carlyle emitiu a carta conforto para o banco.

Assinada por Robert Konigsbergelo, então diretor financeiro de investimentos imobiliários do Carlyle, a carta diz que a gestora tem como política supervisionar de perto os aspectos financeiros e técnicos de suas investidas, para assegurar que as empresas tenham recursos suficientes para dar andamento a seus projetos e cumprir obrigações financeiras. E complementa que tem a intenção de manter funding suficiente para a companhia honrar suas obrigações. Depois da carta conforto, o empréstimo teve nove aditamentos, prolongando seu vencimento.

Em 2015, o Itaú começou a cobrar o pagamento, que acabou virando ação judicial. O Itaú é representado pelo escritório Boccuzzi Advogados e o Carlyle, pelo Cury Muniz Advogados. Desde então, a situação financeira da UrbPlan só se deteriorou. No terceiro trimestre de 2017, o Carlyle reconheceu em seu balanço uma perda de US$ 65 milhões com a companhia, e a vendeu (incluindo a sociedade emissora da CCB) para um grupo de investidores, coordenados pela consultoria de reestruturação Ivix.

Credores que compraram títulos imobiliários da UrbPlan cobram R$ 400 milhões e pressionam a gestora americana a assumir essas dívidas. As dívidas bancárias também passaram a ser discutidas judicialmente. Segundo o fundo, as garantias valiam, à época, R$ 146 milhões.

Em ação judicial no Tribunal de Justiça de São Paulo, a gestora argumenta que o Itaú tem que executar as garantias da CCB - que eram penhor das ações da loteadora e vinculação de dividendos. Garantias essas, segundo o fundo, que o banco teria deixado de mencionar na ação de execução da carta conforto. Segundo uma fonte, o Itaú não tem interesse em ficar com as ações, que não têm valor econômico suficiente, e a empresa não distribui dividendos há anos.

O Carlyle argumentou ainda, na ação, que há um questionamento sobre a existência do título - e, por isso, não pode ser executado antes que o assunto esteja definido. Em março, o juiz deu uma suspensão temporária do processo para que as parte se entendam em acordo privado ou esperem a decisão de um ação paralela no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que vai definir se o Carlyle é devedor ou não, como responsável pela CCB. Ou seja, na prática, a decisão do STJ vai dizer se carta serve de garantia, neste caso.

Procurados, Itaú e Urbplan não comentam. O Carlyle diz, em nota, que "a empresa em execução SDU Participações S.A. faz parte do Grupo Urbplan que, desde 2017, não é mais controlado por The Carlyle Group, nem por qualquer fundo por ele gerido".

Algumas discussões sobre cartas conforto já foram parar em arbitragem no país, mas a maioria é resolvida com acordo entre as partes e poucas chegam ao Judiciário, segundo advogados. Uma das discussões em arbitragem que acabou se tornando pública é antiga, de 2007, entre a área de private equity do banco Chase Manhattan e os bancos brasileiros Interamericano e Bradesco. Nesse caso, a carta foi considerada como garantia. - Valor Econômico Leia mais em portal.newsnet 12/04/2018

12 abril 2018



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