27 janeiro 2018

Todos querem entrar nessa festa

A PagSeguro faz a mais bem-sucedida abertura de capital de uma empresa brasileira desde 2011. Mas seu modelo de negócios está sob ataque no Brasil


A empresa de meios de pagamentos PagSeguro era vista como uma estranha no ninho onde reinavam gigantes como Cielo, que conta com Bradesco e Banco do Brasil como principais acionistas; Rede, do Itaú Unibanco; e GetNet, administrada pelo Santander. Mas, sem alarde, a companhia controlada pelo UOL, do grupo Folha, conseguiu o que parecia impensável. Não só se tornou um competidor respeitado por todos esses colossos financeiros, como protagonizou a maior abertura de capital de uma empresa brasileira desde 2011 e a maior desde a rede social Snapchat, que captou US$ 3,4 bilhões em março de 2017, nos Estados Unidos. Na quarta-feira 24, o CEO da companhia, Ricardo Dutra, e o diretor financeiro, Eduardo Alcaro, tocaram o sino na Bolsa de Nova York (Nyse), celebrando o início das negociações dos papéis da PagSeguro.E m sua estreia, eles fecharam cotados a US$ 29,20, uma espetacular alta de 35,8%. A demanda superou em mais de dez vezes a oferta, o que levou os coordenadores globais, os bancos de investimento Goldman Sachs e Morgan Stanley, a elevar o preço das ações. Antes, o teto era de US$ 20,50. Saiu por US$ 21,50. A captação chegou a US$ 2,3 bilhões, podendo atingir US$ 2,6 bilhões com a venda de lotes extras. O valor de mercado da companhia alcançou US$ 8,9 bilhões (R$ 28,2 bilhões), o que fez da família Frias, controladora do UOL, os mais novos bilionários brasileiros.

Como a PagSeguro conseguiu essa façanha? Quando foi criada em 2006, a companhia do UOL surgiu para ser um rival do Paypal, o gigante americano que tinha inventado uma carteira virtual e se destacava como meio de pagamentos online. A empresa manteve essa trajetória até 2013, quando começou a vender POS (da sigla em inglês Point of Sales), conhecidas, popularmente, como maquininhas. A companhia se aproveitou da abertura de mercado três anos antes. Até 2010, os cartões da Visa só rodavam nas máquinas da Cielo. Os da Mastercard, nos da Rede. Com a nova regra, elas eram obrigadas a aceitar todas as bandeiras de cartões de crédito. A grande sacada da PagSeguro foi vender a maquininha em diversas parcelas em vez de alugar, como faziam todos os seus rivais naquela época. Com isso, evitou que os empreendedores pagassem mensalidades para o uso do terminal, um custo recorrente e que inviabilizava que muitos usassem o serviço. “O objetivo da PagSeguro é ganhar dinheiro com a cobrança de um percentual sobre as transações e com a antecipação de recebíveis”, diz Boanerges Ramos Freire, presidente da consultoria especializada em varejo financeiro Boanerges & Cia. “Eles vendem a maquininha praticamente a preço de custo.”

A outra ideia genial da PagSeguro foi focar em um público que ninguém dava bola: o dos pequenos empresários e de negócios informais. Muitos deles nem sequer tinham conta corrente em um banco. É um contingente enorme que estava à margem do mercado. De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), há 7,1 milhões de microempreendedores individuais e 3,9 milhões de microempresas. Esse público não era o alvo de Cielo, Rede e GetNet, que dirigiam suas atenções às grandes corporações. O UOL foi fundamental para dar escala a esse modelo de negócio. A companhia usou todo o tráfego e audiência do portal do grupo Folha para promover a novidade com campanhas publicitárias que usavam a imagem da atriz Alessandra Negrini. Além disso, o portal de internet conta com uma grande operação de data centers, que forneceu a infraestrutura para as operações tecnológicas, fundamental para garantir não só a segurança das transações, mas também a disponibilidade do serviço. “Eles nadaram de braçada em um oceano azul sem quase nenhum predador durante muito tempo”, diz uma fonte do setor de meios de pagamentos.

Mas esse mar de água calma e de peixes miúdos está chegando ao fim. Nada indica que o PagSeguro terá de enfrentar um tsunami daqui para frente. Mas os seus rivais finalmente acordaram, assim como novos competidores surgiram neste oceano. Um deles é a Stone, controlada pelos fundadores da Arpex Capital, André Street e Eduardo Pontes, e que tem entre seus acionistas minoritários a empresa britânica de aquisição Actis e a brasileira Gávea Investimentos, do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga. A companhia adquiriu a Elavon, do Citibank, em dezembro do ano passado. Com o ativo, a ideia é encarar a PagSeguro. A Stone estuda também abrir o capital nos Estados Unidos, segundo informação publicada pela agência de notícias americana Reuters. O dinheiro da captação seria usado para reforçar suas baterias contra Cielo e Rede. Procurada, a Stone não confirma a informação.

Os gigantes dessa área também estão se movimentando. A GetNet, por exemplo, entrou nessa briga quando lançou a Vermelinha, seu terminal que pode ser comprado em vez de alugado, em setembro do ano passado. A ideia é atingir o profissional liberal e os microempreendedores. “Queremos dar opção aos nossos clientes”, diz Pedro Coutinho, presidente da GetNet, que tem 800 mil pontos de vendas ativos. A Cielo também despertou. Uma semana antes de a companhia do UOL abrir o capital na Nyse, a empresa anunciou a compra de 70% da Stelo, da qual já detinha 30% do capital. A credenciadora pagou US$ 87,5 milhões pela empresa e deve usá-la como uma marca de combate para enfrentar a PagSeguro, segundo analistas com quem DINHEIRO conversou. “É um movimento para se proteger da crescente concorrência nesse meio e para ganhar mais força no segmento de comércio eletrônico e entre os pequenos comerciantes”, diz Rafael Passos, analista da corretora Guide Investimentos. Com a nova marca, a Cielo, que é comandada por Eduardo Gouveia, deve entrar também na briga de venda das maquininhas, algo que evitou até agora para não canibalizar seu próprio negócio, segundo a visão do mercado. Procurada, a Cielo não quis conceder entrevista.

Todos os rivais da PagSeguro vão encontrar a partir de agora uma empresa mais encorpada. Dos US$ 2,3 bilhões captados com o IPO, US$ 1,1 bilhão irá para o caixa da companhia. Esse dinheiro será usado para “aquisições seletivas de negócios, tecnologias ou produtos complementares”, informou a empresa, sem maiores esclarecimentos. Com o IPO, a PagSeguro vale quase 40% da Cielo, cuja capitalização é de R$ 73,2 bilhões. É um número impressionante para uma companhia cujas receitas operacionais representam um quinto da credenciadora do Bradesco e do Banco do Brasil. Não bastasse isso, a Cielo movimenta quase 50% de todas as transações por meio de cartões. A PagSeguro, apenas 3%, segundo as estimativas mais recentes. “A PagSeguro está crescendo a taxas superiores a 200% ao ano, enquanto os rivais avançam em taxas bem menores”, afirma Frederic De Mariz, diretor executivo de análise de empresas financeiras da UBS.

A receita da PagSeguro mais que quintuplicou desde 2014, quando faturava R$ 325 milhões. Nos nove primeiros meses deste ano, alcançou R$ 1,7 bilhão. O lucro multiplicou-se por onze vezes, neste mesmo período, chegando a R$ 290 milhões. Além disso, os investidores estão enxergando a PagSeguro como uma empresa que está surfando na onda do bom humor com mercado de fintechs, as startups tecnológicas que estão inovando no mundo financeiro. A americana Square, que tem perfil semelhante ao da PagSeguro, vale US$ 17,2 bilhões na Nyse. É um sinal de que há espaço para a valorização da companhia brasileira. Antes, no entanto, ela precisa combinar com Cielo, Rede e GetNet, que também querem participar dessa festa. E vão entrar de qualquer jeito. Nem que seja de penetra. Leia mais em istoedinheiro 26/01/2018




27 janeiro 2018



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