06 dezembro 2016

As possibilidades econômicas de 2017

Em fevereiro de 2013, o Boletim Focus, que reúne as projeções dos "principais economistas do mercado", previa crescimento do PIB de quase 4% ao ano para 2014, 2015 e 2016. Após o crescimento de 0,5% em 2014, a economia do país caminha para o segundo ano consecutivo de retração de quase 4%.

O desempenho pífio de 2014 instigou o "consenso" em torno das políticas econômicas que deveriam ser adotadas tempestivamente. Depois de conceder isenções fiscais para grandes grupos econômicos - a turma do pato - a política econômica brasileira deu um choque de tarifas, dobrou a taxa de juros e perpetrou um ajuste fiscal que concentrou cortes em investimentos públicos.

O mergulho depressivo iniciado entre o crepúsculo de 2014 e a aurora de 2015 pode ser apresentado como um exemplo do fenômeno que as teorias da complexidade chamam de "realimentação positiva" ou, no popular, "quanto mais cai, mais afunda".

Pedidos de 'paciência', em meio a celebrações pela queda do salário real, se chocam com a realidade da vida

A interação entre o choque de tarifas, a subida da taxa de juro, a desvalorização do real e o corte dos investimentos públicos determinaram a elevação da inflação em simultâneo à contração do nível de atividade e daí à restrição do crédito. O encolhimento do circuito de formação da renda levou inexoravelmente à derrocada da arrecadação pública.

A combinação entre choques negativos de oferta e seus efeitos sobre a renda agregada da economia suscitou um processo de "realimentação positiva" decorrente das reações de autoproteção das empresas, bancos e consumidores, estes ameaçados pelo desemprego.

As fábricas se encharcam de capacidade ociosa. Endividadas em reais e em moeda estrangeira, as empresas são constrangidas a ajustar seus balanços diante das perspectivas de queda da demanda e do salto do serviço da dívida. Para cada uma delas era racional dispensar trabalhadores, funcionários, assim como, diante da sobra de capacidade, procrastinar investimentos que geram demanda e empregos em outras empresas. Para cada banco individualmente era recomendável subir o custo do crédito e racionar a oferta de novos empréstimos.

Os consumidores, bem, os consumidores reduzem os gastos. Uns estão desempregados e outros com medo do desemprego. Assim, o comércio capota, não vende e reduz as encomendas aos fornecedores que acumulam estoques e cortam ainda mais a produção. As demissões disparam. A arrecadação mingua, sugada pelo redemoinho da atividade econômica em declínio. Isso enquanto a dívida pública cresce sob o impacto dos juros reais e engorda ainda mais os cabedais do rentismo caboclo.

As decisões "racionais" do ponto de vista microeconômico, prestam homenagem às falácias de composição que infestam os modelos macroeconômicos: o que parece bom para o 'agente individual', seja ele empresa, banco ou consumidor, é danoso para o conjunto da economia.

Comparando o terceiro trimestre de 2013 e 2016, a Formação Bruta de Capital Fixo sofreu uma queda de 28%, o consumo das famílias de 7% e o PIB de 7,8%. Pelos dados da Pnad Contínua, a taxa de desocupação que estava em 6,5% no último trimestre de 2014 alcançou 11,8% no trimestre encerrado em setembro de 2016, com 12 milhões de pessoas desempregadas. Esse é o pior resultado da série histórica.

Confrontando o trimestre de agosto a outubro de 2016 com igual trimestre de 2015, os dados do IBGE apontam uma elevação de 3 milhões de pessoas desocupadas na força de trabalho, um acréscimo de 32,7%. A massa de rendimento real habitualmente recebida pelas pessoas ocupadas em todos os trabalhos mostrou redução de 3,2%.

De janeiro a setembro, a quantidade de pedidos de recuperação judicial cresceu 62% frente ao mesmo período de 2015, fruto do longo castigo imposto aos fluxos de caixa das empresas pela queda na demanda e restrições ao crédito. Nos primeiros nove meses do ano foram feitos 1.405 pedidos de falências no país. O número representa um aumento de 6% em relação ao mesmo período de 2015.

Pedidos de "paciência" ou "controle da ansiedade", em meio a celebrações de economistas pela queda do salário real, se chocam com a realidade da vida das pessoas de carne e osso, e denunciam a dissonância da narrativa da retomada da confiança com os movimentos da economia concreta. A retração de 0,8% do PIB no terceiro trimestre de 2016 foi a sétima de uma sequência iniciada no primeiro trimestre de 2015. A confiança do empresário é a demanda, a do trabalhador seu emprego.

Ao redor do globo, governos buscam dinamizar suas economias com baixas taxas de juros; parcerias com a iniciativa privada na coordenação e promoção de investimentos em inovações, buscando protagonismo na nova revolução industrial; e programas maiores e de longa duração na melhoria da infraestrutura pública, que, nas palavras da The Economist, "dariam às empresas privadas uma maior confiança sobre a demanda futura e tornariam mais provável uma recuperação sustentada".

A mídia brasileira espargiu a convicção da rápida recuperação do crescimento econômico, pois a confiança havia sido restabelecida e o hiato do produto ampliado. A crise purgaria rapidamente os excessos decorrentes do "estímulo artificial". Navegando nas águas de Hayek, proclamavam que a queda no consumo traria como contrapartida o consequente aumento da poupança automaticamente revertida em investimento, sinalizando um futuro próspero. Nessa lógica, assim como na dinâmica da administração do orçamento familiar, os recursos que se destinam ao investimento vêm da parcela da renda que foi poupada, pela abstinência do consumo.

Keynes protagonizou o antagonismo às teorias de Hayek, mas como aponta Robert Skidelsky, foi um dos companheiros de Hayek quem apresentou um dos retratos mais mordazes a sua teoria. Segundo Lionel Robbins, independente da validade da explicação de Hayek para as origens da crise, a "cura" proposta era inapropriada como negar cobertores e estimulante para um bêbado que havia caído em uma lagoa gelada, baseado na concepção que o seu problema originalmente decorria de um superaquecimento. Autores : Luiz Gonzaga Belluzzo - professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Em 2001 foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists; e  Gabriel Galípolo - professor do Departamento de Economia da PUC/SP - Fonte  Valor Econômico - Leia mais em portal.newsnet 06/12/2016 
 


06 dezembro 2016



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