26 agosto 2016

Pós-impeachment deve atrair capital externo

Sem data para acabar, o julgamento do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, que começou ontem, pode se estender até 31 de agosto. Para os investidores em ativos financeiros ou no setor real da economia brasileira, o fim do julgamento, demore três, cinco ou dez dias, será um marco a partir do qual serão tomadas novas decisões.

Mesmo em compasso de espera, os estrangeiros não estão divorciados do Brasil. Alguns deles, porém, dependem de uma definição a respeito de quem é o presidente do Brasil para assegurar, legalmente, a grandes investidores que o seu dinheiro não está em lugar incerto e não sabido.

No mês de agosto, os investidores estrangeiros diminuíram sua exposição a ativos de renda fixa e também na bolsa no Brasil. Saíram do país liquidamente US$ 2,862 bilhões no mês até o dia 19, segundo o Banco Central. Para Daniel Weeks, da Garde Asset Management, boa parte desse movimento tem a ver com a realização de lucros obtidos ao longo do rali dos ativos brasileiros, iniciado em março. Passado o impeachment, entretanto, o provável é que esses recursos retornem.

"Até aqui, o que se viu foi o ingresso de investidores que ampliaram exposição em mercados emergentes de forma geral. O dinheiro dedicado a Brasil ainda não veio", diz. Isso significa, em sua opinião, que mesmo que o impeachment esteja "99% no preço", ainda tem muito para vir. A questão é saber se esse investidor virá imediatamente ou se esperará alguma medida concreta de ajuste fiscal.

O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, também acredita que há espaço para uma reação adicional ao impeachment, embora os investidores locais já deem o evento como certo. "Parece que, para o estrangeiro, o impeachment não está 100% no preço e isso significa que há potencial para algum fluxo adicional", afirma. De todo modo, Borges acredita que o nível de exigência dos investidores, sobretudo dos locais, em relação ao governo vai aumentar. "O governo Temer não estará mais protegido pelo guarda-chuva da interinidade. A pressão vai aumentar", diz.

As exigências, diz ele, devem ser maiores por parte do mercado doméstico. "O estrangeiro tem uma visão relativa do Brasil, que se destaca por pagar um juro muito acima dos demais países", afirma. "Mas o investidor aqui vai exigir oferendas físicas do governo, vai querer medidas objetivas", afirma. Para Borges, o que está "no preço" do mercado é que o teto dos gastos seja aprovado ainda este ano, "sem desidratação", ou seja, garantindo a inclusão dos gastos de saúde e de educação na regra, que tem de respeitar a variação do IPCA. E que a reforma da Previdência comece a ser discutida ainda este ano, com perspectivas de ser terminada no ano que vem. "Mas é bom lembrar que há 70% de chance de o teto só ser aprovado no ano que vem e que o governo Fernando Henrique levou quatro anos para mudar as regras da Previdência", diz.

Marco Caruso, economista-chefe do Banco Pine, entende que os investidores interessados em ganhos financeiros se aproveitam da descompressão do prêmio de risco do Brasil. "Esses investidores trabalham muito mais com 'as histórias que circundam os fatos' do que com 'os fatos' em si. Em um primeiro momento, interessa a eles muito mais a crença de que haverá uma arrumação das contas públicas do que a arrumação em si. Para o investidor do setor real, a perspectiva do ajuste interessa, mas seu foco está na aprovação. Cenários de longo prazo demandam maior certeza", diz.

Octavio de Barros, diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, pondera que uma parte dos investidores estrangeiros aguarda a definição do processo político para tomar sua decisão de investimento. "Investidores com horizonte de alocação de médio e longo prazo têm processos decisórios mais estruturados e requerem um grau de incerteza menor para tomar suas decisões. São esses os investidores que podem ter um ânimo adicional após a definição de quem será o presidente do Brasil pelos próximos dois anos e meio."

Barros cita também os investidores mais "oportunistas" - como fundos de hedge- que já vêm ampliando sua alocação no Brasil, se antecipando à maior estabilização política. O país também interessa a esse perfil e estabilização política favorece, mas fluxo de recursos deve ser gradual.

Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, cita dois fatores relevantes para o fluxo dos investimentos estrangeiros pós-impeachment: o cenário internacional de alta liquidez e o ritmo de aprovação das medidas fiscais. "Só o impeachment não basta. Precisamos dessas duas condições para termos uma entrada significativa de recursos no país. Se o cenário externo for extremamente benigno para emergentes (com menos preocupações com China, commodities em alta e juros deprimidos) recursos virão para cá mesmo com pouco avanço reformista. Se o cenário externo continuar instável, a entrada de recursos dependerá mais de reformas com mudanças radicais nos benefícios sociais e nas regras constitucionais de vinculação dos gastos."

Já o investimento direto dependerá de uma percepção mais duradoura de estabilidade, previsibilidade e retorno. Luciano Sobral, economista do Santander, afirma que o investimento em carteira, além de volátil, tenta antecipar a melhora de fundamentos que levarão mais tempo para impactar a economia. Sobral acrescenta que o retorno oferecido por ativos brasileiros está muito elevado em comparação a outros países. Portanto, "é atraente investir aqui desde que persista a confiança na estabilidade política, queda na inflação e relativa força da moeda", afirma.

A avaliação geral é que, quando o impeachment for concluído, o governo empossado terá mais poder de barganha junto ao Congresso e, por isso, o nível de exigência quanto aos resultados concretos no avanço do ajuste fiscal vai crescer, sob o risco de se perder os ganhos de confiança obtidos até aqui. Mas a agenda que se espera da equipe que comandará o país até 2018, entretanto, é limitada, capaz apenas de evitar um colapso das contas públicas e não de garantir uma melhora consistente da relação dívida/PIB num horizonte mais longo.

Em linhas gerais, os analistas esperam que a PEC dos gastos públicos seja aprovada pela Câmara entre outubro e novembro deste ano - com grande chance de a aprovação pelo Senado ocorrer apenas em 2017. E o início das discussões da reforma da Previdência neste ano, com probabilidade de aprovação das mudanças nas regras até o fim do ano que vem.

Sobre o conteúdo da PEC, o que está "no preço" é que a limitação para o crescimento dos gastos seja dada apenas pela variação do IPCA, sem qualquer acréscimo ou alteração de indicador. "Se haverá uma limitação específica para saúde e educação importa menos. O importante é que o gasto como um todo não cresça acima da inflação", afirma Weeks, da Garde. "Qualquer coisa diferente disso vai ter efeito negativo sobre as expectativas", diz. Valor Econômico - Leia mais em abinee 26/08/2016

26 agosto 2016



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