14 junho 2016

Gestores criam fundos para aplicador paciente

Depois de um prolongado período ruim para a bolsa brasileira, o entendimento de que a economia vai se recuperar, ainda que demore, tem levado gestores a estruturar fundos de "pipe". A sigla, em INGLÊS, trata de "private investment in public equity". O produto é uma mistura de fundo de ações, já que investe somente em empresas listadas em bolsa, com private equity, por não permitir saída do investidor por um prazo longo em geral de quatro a cinco anos - e também porque os gestores não compram o papel e cruzam os braços. Eles buscam interferir no dia a dia da empresa para gerar valor.

Gestoras reconhecidas nos universos de private equity e ações, como Constellation, Pátria e Equitas, estão em busca de investidores para fundos de pipe no momento. Os gestores garantem que há pechinchas na bolsa brasileira, com potencial de grandes retornos, mas pedem em troca a paciência do investidor.

A Constellation, que gere R$ 2,2 bilhões em ações brasileiras, sendo 85% desse valor de investidores estrangeiros, tem um fundo de pipe aberto para captação até o fim de julho. O prazo total é de até quatro anos, sendo que a partir do segundo a gestora começa a se desfazer dos papéis.

A carteira da Constellation vai ter quatro a oito empresas. Dentre as já eleitas está a Rumo, que opera ferrovias. A empresa foi prejudicada por um período de investimentos para ganhar eficiência em meio a um ciclo de alta de juro. Os resultados começam a aparecer, segundo Rafael Sales, que gere o fundo da casa em parceria com Marcello Silva. "Hoje a realidade é outra. Os clientes já estão assinando contratos de longo prazo", diz Sales. Os ganhos de escala, segundo ele, têm garantido melhoras nas margens.

Rumo é somente um dos casos do portfólio da Constellation, o menos charmoso, segundo Sales. Os gestores evitam falar das empresas que vão ter nos fundos porque ainda não montaram as posições e não querem que os preços subam antes.

Na crise mais recente, o fundo de ações da Constellation passou de prejuízo de 41% em 2008 para ganho de 114% em 2009, acima dos 83% do Ibovespa.

Agora, a ideia é fazer uma seleção de empresas com características semelhantes às eleitas naquele momento. A diferença é que desta vez o fundo de pipe parece a melhor estratégia, considera Salles, porque o ganho pode não vir tão rápido. "Hoje a crise não é exógena, mas endógena. A recuperação deve vir de forma mais lenta", afirma o gestor.

A Constellation vai limitar a captação do fundo a R$ 200 milhões. Em geral, os fundos de pipe não são muito ampliáveis porque se concentram em "small e mid caps", empresas de pequeno e médio valor de mercado. Elas atraem porque, nesses casos, é mais viável montar uma posição grande o suficiente para ter capacidade de intervir no futuro da companhia e também porque estão entre as que mais sofreram nos últimos anos com a fuga para a liquidez. O Pátria Investimentos, com R$ 15,72 bilhões sob gestão, tem buscado usar os 20 anos de experiência em seleção de empresas fechadas para gerar valor também nas listadas, segundo Ricardo Scavazza, sócio da área de private equity. A gestora tem um fundo de pipe em funcionamento desde 2014, com R$ 200 milhões, e agora está captando o segundo, com a intenção de chegar a R$ 500 milhões e torná-lo ativo no segundo semestre. O objetivo de retorno é multiplicar o patrimônio em 2,5 vezes em cinco anos, prazo em que o investidor não pode mexer no dinheiro. Ao longo desse período, a intenção não é trocar de ações, mas comprar participações expressivas em três a oito companhias e carregá-las.

"Queremos encontrar empresas onde possamos contribuir na formulação de estratégias, criação de valor operacional e desenvolvimento de operações como fusões e aquisições", afirma Scavazza. O Pátria tem uma equipe de 30 pessoas dedicadas a assessorar as empresas que fazem parte dos portfólios.

No primeiro fundo, segundo o sócio do Pátria, a gestora conseguiu, entre 2014 e 2015, elevar em 20% o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) combinado das empresas do portfólio.

Um exemplo da atuação pretendida é o caso de Bematech. Em janeiro de 2015, o Pátria tornou-se por meio do fundo de pipe o maior acionista da companhia e foi eleito para o conselho. Assim, participou da criação dos comitês de estratégia e fusões e aquisições. No mesmo ano, a empresa foi vendida para a Totvs e teve valorização de janeiro a outubro de 21,52%.

Outra posição foi na locadora de veículos Locamerica, em que a equipe do Pátria atuou na governança, indicando cargos chave, como o diretor financeiro e o de relações com investidores.
Este é um bom momento para o fundo de pipe, na opinião de Scavazza, porque o Brasil já começa a sair do ciclo de recessão e a resolver algumas das questões políticas, mas os preços de algumas ações ainda seguem atraentes.

"Acho que este talvez seja um dos melhores momentos dos últimos anos para fazer investimento com visão de longo prazo no Brasil", afirma.

Também a gestora dedicada a ações, a Equitas, com R$ 38,7 milhões sob gestão, tem buscado investidores para um fundo de pipe com prazo de até cinco anos e seleção de cinco a sete ações. A tese para o portfólio é que houve uma concentração grande de liquidez no mercado nos últimos anos deixando as small caps com uma defasagem de preço muito grande em relação às ações mais líquidas.

Luis Felipe Amaral, sócio da Equitas, defende que a restrição à liquidez é uma forma de proteger os cotistas dos fundos. Como o portfólio é pouco líquido e montado com foco no longo prazo, o saque prematuro de um investidor pode forçar a venda de papéis em um momento ruim, o que prejudica todos os demais investidores. Com o crescimento dos fundos de pipe, diz Amaral, o mercado brasileiro aproxima-se do internacional. "Um investidor sofisticado de fora até vê como um ponto negativo você implementar uma estratégia de baixa liquidez com termos de resgate curtos.
Eles enxergam isso como um risco", diz.

A que o investidor deve estar atento, ao avaliar um fundo de pipe, é se há justificativa suficiente para que ele abra mão da liquidez, diz George Wachsmann, que seleciona fundos para clientes de alto patrimônio na GPS, do grupo Julius Baer. "O que você deve esperar é que o gestor vai comprar empresas em que, apesar de serem listadas, ele consegue de alguma forma atuar para aumentar valor", afirma. Do contrário, considera, vão ser fundos de small caps disfarçados.

Desde que se tenha em mente a necessidade de escolher um gestor que interfira no dia a dia da companhia, o fundo de pipe pode fazer sentido, na opinião de Wachsmann. "Viemos de um período longo de bolsa de lado ou para baixo, com ânimos das empresas muito deprimidos", afirma o gestor de patrimônio. A própria GPS tem avaliado semanalmente o momento certo de aumentar a alocação em bolsa no portfólio dos clientes, mas segue abaixo do histórico. "Queríamos ver alguns gatilhos antes, como reformas passando e os juros caindo", afirma Wachsmann. - Valor Econômico Leia mais em portal.newsnet 14/06/2016

14 junho 2016



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