09 maio 2016

Sai o IPO e entra OPA

RECESSÃO econômica. Balanços com prejuízos. Grandes marcas em dificuldades. Falta de confiança dos empresários. Já faz algum tempo que toda a longa lista de problemas que abalam a economia do país desaguou na Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa. Ocorre que a maré de más notícias não gerou somente uma queda profunda do valor das ações. Ela também está provocando uma desidratação do mercado, por meio de uma onda de fechamento de capital de empresas. O fato é que, com o preço dos papéis em queda, tirar a companhia do pregão pode ser bem mais rentável - e seguro - do que mantê-la em campo.

O primeiro resultado desse movimento é uma troca de siglas. Sai de moda a abertura de capital, o IPO, na abreviação em inglês, e entra em cena a OPA (Oferta Pública de Aquisição), a operação usada pelos sócios controladores para comprar papéis de minoritários. Ressalte-se que nem todas as OPAs são usadas para fechamento de capital. Algumas delas podem ser feitas para a compra de grandes lotes de ações, com o objetivo de assumir o controle da empresa. Mas todos os fechamentos de capital ocorrem por meio de OPAs. Definições técnicas à parte, trata-se de um revés para uma bolsa que, na virada da década, sonhava em atingir os 80 mil pontos. Hoje, tem operado pouco acima da metade desse valor.

Desde o início de 2014, quando a crise desembarcou na bolsa, até abril deste ano, foram realizados apenas dois IPOs. No mesmo período, 36 empresas fecharam o capital. Outras 13 companhias já pediram autorização à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para seguir no mesmo caminho. Isso significa que, no jogo da Bovespa, o placar é de 49 para as OPAs contra 2 para os IPOs, em um período de pouco mais de dois anos.

O problema, contudo, não é o fato de empresas fecharem o capital. Operações desse tipo não são incomuns e, algumas vezes, podem emitir sinais positivos. Entre 2011 e 2013, alguns dos anos mais atrativos da Bovespa, foram feitas dezenas de OPAs. No entanto, as saidas da bolsa naquela ocasião aconteciam, principalmente, porque muitas empresas estavam sendo cobiçadas ou compradas por outros grupos - um sinal de atividade econômica em alta. Ao mesmo tempo, havia uma profusão de IPÕSs Nesse período, foram 24 lançamentos de novas companhias. Hoje, o cenário é diferente - e preocupante. Ainda há casos de companhias que fecham o capital após serem adquiridas - a Be-matech, incorporada pela Totvs, é um exemplo. Mas a grande maioria das OPAs, atualmente, se deve mesmo ao derretimento no valor das ações no pregão.

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BARATA DEMAIS_ E qual o momento de tirar o time de campo? Quando a ação de uma empresa recua demais, por exemplo, seu valor de mercado pode ficar ahaixo do valor patrimonial. Isso significa que a empresa ficou barata, ou seja, está sendo cotada por menos do que realmente vale. E nesse momento que os sócios majoritários se movem para realizar a OPA, recomprando as ações e retirando a companhia da bolsa. “Por um lado, fica complicado levantar recursos com a ação desvalorizada. Por outro, o controlador consegue recomprar os papéis por um valor menor do que aquele que recebeu no IPO”, diz José Securato Junior, sócio da consultoria Saint Paul. No processo, os gestores aproveitam para economizar com os (muitos) gastos necessários para manter a companhia aberta, como relatórios trimestrais, taxas da Bovespa e a manutenção permanente de uma diretoria de relação com investidores.

O resultado final dessa tendência é um sinal de alerta para a bolsa brasileira. “A Bovespa regrediu. Se o mercado fosse um jogo de tabuleiro, eu diria que caímos naquela posição de ‘volte três casas para trás’”, diz Eduardo Moreira, sócio-diretor da corretora Geração Futuro. “Os fechamentos de capital mostram que a bolsa está deixando de ser uma fonte viável de captação de recursos para as empresas”, afirma Felipe Katlauskas Calil, sócio do escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe. “As empresas estão preferindo se financiar com o lançamento de dívidas, e os investidores estão correndo para a renda fixa e para as debêntures.”

Entre as empresas que fecham capital, a crise é o ponto em comum. E o caso da concessionária de rodovias Arteris, cujas ações chegaram a perder mais de 60% de seu valor de mercado desde 2013. A companhia é afetada pela redução do movimento nas estradas e, consequentemente, pelo menor número de veículos que passam pelos pedágios. No ano passado, o lucro líquido foi de R$ 149 milhões, uma queda de quase 70% frente ao resultado do período anterior. A dívida aumentou em 30%, alcançando R$ 5,6 bilhões. Além disso, o papel tem pouca liquidez desde que o controle da empresa foi assumido pelo grupo Abertis, no fim de 2012. Cenário perfeito para o controlador tirar os papéis de circulação.

O banco Daycoval é outro caso. Ele faz parte de um grupo de instituições financeiras de médio porte que enfrenta dificuldades, dez anos após abrir o capital. Além do Daycoval, nomes como Pine, Pan, Sofisa e Paraná Banco acumulam desvalorização frente aos preços praticados na estreia na Bovespa. Um dos motivos é a piora da qualidade de crédito no país, gerado pela crise. A avaliação dos investidores é de que os bancos médios são mais expostos a esse fator do que os seus pares de porte mais avantajado. Assim, a agência de classificação Standard & Poor’s piorou a avaliação de risco do sistema financeiro nacional, o que levou ao rebaixamento da nota - e do preço das ações - do Daycoval.

Já a Tereos, que investe no agro-negócio - é dona da sucroalcooleira Guarani, entre outros ativos foi vítima dos anos de vacas magras que atingiram as usinas de cana-de--açúcar. Vendas em baixa afetaram as cotações da empresa e aumentaram a dívida. A companhia teve de receber aportes da Petrobras e fez duas captações para honrar seus vencimentos. Ainda assim, as pendências da Tereos superam os R$ 6 bilhões, a maior parte cotada em euros e dólares.

Se para a maioria das empresas o fechamento reflete decepção com a desvalorização do papel na bolsa, em alguns momentos pode ser uma oportunidade estratégica. E o caso da fabricante de cigarros Souza Cruz. Sua controladora, a britânica British American Tobacco (BAT), fechou o capital no ano passado, após mais de 70 anos sendo negociada no mercado. A empresa não passava por aperto financeiro: seu último balanço, do segundo trimestre do ano passado, mostrou receitas de R$ 1,58 bilhão e lucro de R$ 360 milhões. A operação explica-se pela combinação de dois fatores. De um lado, está a desvalorização do real frente ao dólar, que tornou a compra mais barata para o grupo estrangeiro. Estima-se que a BAT tenha empenhado cerca de US$ 3 bilhões na OPA, uma economia de quase USS 1 bilhão frente ao que precisaria empenhar um ano antes. De quebra, ao fechar o capital, deixou de abastecer a concorrência - leia-se a Philip Morris, de capital fechado - com as informações estratégicas que divulgava em seu balanço. “Para algumas empresas que são boas geradoras de caixa e não precisam se financiar via bolsa, o momento é ideal para fechar o capital”, diz Luiz de Magalhães Ozório, coordenador do Ibmec-RJ.

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TAREFA COMPLEXA. A realização de uma OPA é uma tarefa complicada e leva cerca de seis meses, em média. Em primeiro lugar, há uma etapa preparatória. A empresa precisa comunicar publicamente que deseja realizar a saída e contrata um banco ou uma corretora, responsável por operacionalizar o negócio. O segundo passo é o mais complexo: definir o preço que os controladores irão pagar pelas ações dos minoritários. Esse valor, chamado de preço justo, é determinado com base na avaliação de uma auditora independente e leva em consideração variáveis que vão do valor patrimonial da empresa à flutuação de suas ações no tempo. Esse valor pode ser contestado pelos minoritários em assembleia.

Preço estabelecido, a empresa pede autorização à CVM para realizar a operação. Caso o parecer do órgão seja negativo, o processo recomeça do zero. Se o sinal for verde, a empresa publica um edital marcando a data da saída e as condições propostas para o negócio. No dia combinado, as ações são recompradas pelos controladores. Para que a OPA seja bem-sucedida, no entanto, é necessário que o sócio majoritário consiga a adesão de dois terços dos papéis em circulação, o chamado free float. Caso obtenha sucesso, o dinheiro é depositado para os vendedores das ações, e a empresa é retirada da lista de companhias inscritas na bolsa. O acionista que não participar se torna sócio de uma empresa de capital fechado. Se quiser se desfazer dos papéis, terá de depender de vendas privadas, para quem quiser comprar - ou seja, esse minoritário fica com um papel de liquidez muito menor. A empresa também pode fazer o resgate compulsório (conhecido como squeeze out) dos minoritários, em uma nova assembleia.

O que torna o trabalho mais difícil, no entanto, são os interesses conflitantes. Os controladores querem reduzir ao máximo o investimento necessário para comprar os papéis em circulação. Ao mesmo tempo, os minoritários agem no sentido inverso: para eles, quanto maior for o preço da ação na recompra, melhor. Não admira que muitas OPAs se transformem em batalhas entre as partes.

Uma dessas guerras aconteceu no ano passado, quando o banco BTG Pactuai tentou, sem sucesso, fechar o capital de sua administradora de imóveis BR Properties. A empresa enfrentava uma conjuntura difícil. Com a crise instalada no mercado imobiliário nacional, suas ações recuaram para menos da metade do valor que ocupavam dois anos antes. O banco lançou então uma OPA, pela qual as ações da empresa seriam compradas com recursos do fundo de investimento imobiliário BC Fund, gerido pelo próprio BTG.

A operação seria amplamente favorável ao BTG. Como acionista, embolsaria R$ 900 milhões e ainda ficaria com grande parte da carteira de imóveis da empresa, que poderia ser vendida posteriormente. Mas os coristas do BC Fund resistiram ferozmente. Uma das dúvidas se concentrou no destino da dívida da BR Properties, na faixa de R$ 3,5 bilhões. Caso ela ficasse integralmente com o BC Fund, isso significaria que o fundo subsidiaria a OPA e terminaria com uma empresa endividada em mãos. Isso implicaria um tremendo conflito de interesses, devido às diversas posições ocupadas pelo banco no negócio - posicionado tanto na ponta vendedora quanto na compradora. O resultado foi a instalação de uma das maiores polêmicas do mercado de capitais do país nos últimos anos. A resistência fez com que o BC Fund desistisse da operação. O BTG acabou vendendo parte de sua participação na BR Properties para a GP Investimentos. Hoje, a GP tenta novamente uma OPA da companhia. Ao invés de retirar a BR Properties do mercado, no entanto, a ideia é comprar ações suficientes para adquirir o controle da empresa. O negócio deve ter um desfecho até o final deste mês.

A próxima grande batalha das OPAs deve envolver a fabricante de brinquedos Estrela, que também aguarda aval da CVM para fechar seu capital. Uma das companhias mais tradicionais da Bovespa - seu registro data de 1968 -, a Estrela dominou o mercado nacional de brinquedos por décadas, até ser abatida pela entrada dos concorrentes estrangeiros, com a abertura comercial iniciada nos anos 90. Hoje, o tamanho da encrenca da empresa é considerável: prejuízo de RS 44 milhões no ano passado e dívida na casa dos R$ 500 milhões. O que complica a situação é que os sócios não se entendem sobre a forma de reverter esse quadro. Carlos Tilkian, presidente e majoritário. defende o fechamento de capital e mudanças no sistema industrial, privilegiando a produção local e diminuindo as importações. Já a gestora gaúcha Zenith, principal minoritária, quer manter o capital aberto e melhorar a estrutura de capital. A empresa aderiu ao chamado Refis da Copa - programa federal de parcelamento de tributos - e poderá ter desconto em parte das pendências, caso pague à vista. O grupo promete batalhar contra o fechamento de capital da companhia, independentemente do valor pago pelas ações. Se não conseguir a adesão de dois terços das ações em circulação, a OPA da Estrela irá para o espaço.

Quem sofre com essas batalhas, no fim das contas, é o mercado de capitais brasileiro, que se enfraquece com um número menor de empresas negociando ações. Pior: não há data para a maré mudar. “Por enquanto, as crises econômica e política dominam o horizonte dos investidores. A situação só vai se alterar quando o crescimento retornar e a máquina voltar a girar”, diz Ozório, do Ibmec-RJ. O lado bom é que o estrago não é definitivo. Nada impede que as empresas que hoje fecham o capital retornem amanhã à Bovespa por meio de novos IPOs, quando os ventos mudarem. “A relação entre fechamento e abertura de capital é reflexo dos ciclos da economia”, afirma Securato Junior. “Eu digo uma coisa com absoluta certeza: apesar dos problemas, a Bovespa vai chegar a 80 mil pontos.” Difícil é saber quando. - Época Negócios Leia mais em portal.newsnet 09/05/2016

09 maio 2016



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