08 abril 2016

Um peso nas contas

A recessão e a desvalorização do real provocaram perdas nos balanços de multinacionais de diferentes setores, como Accor, GM e Casino. Para analistas, isso afetará investimentos e compromete a produtividade do país.

A pior recessão em décadas no Brasil já causa estrago nos balanços das multinacionais presentes no país. A combinação de queda da atividade econômica, alta do dólar e inflação em patamar elevado fez com que grupos de diferentes setores de atuação registrassem queda de receitas no país em 2015. A crise afetou resultados de companhias que vão da hotelaria ao varejo, de alimentação a montadoras, em empresas como Accor Hotels, Casino, Walmart, GM e Arcos Dourados (McDonald’s). Em seus balanços, apontam o aumento de preços, a piora do emprego e a queda no consumo como determinantes para o recuo.

Na avaliação do economista Sérgio Lazzarini, professor do Insper, o movimento pode afetar negativamente a produtividade brasileira:
— Com essa queda da receita, o nível de investimento cai. Como a participação das estrangeiras no Brasil ajuda a melhorar a produtividade, porque são adeptas de melhores práticas de governança, a produtividade, no geral, cai.

Ele ressalta que o cenário de rentabilidade das estrangeiras no Brasil já estava em trajetória de queda nos últimos dois anos, mas o quadro se agravou com as incertezas trazidas pelo cenário político:
— Sem horizonte, o risco percebido por elas aumenta. Combinado a uma volatilidade exacerbada, o cenário que se desenha é tenebroso.

DESVALORIZAÇÃO DO REAL AFETA DESEMPENHO

O conglomerado francês Casino, que controla bandeiras como Pão de Açúcar, Extra e Casas Bahia, vinculou seu fraco desempenho no Brasil ao prejuízo global de € 43 milhões registrado em 2015. A varejista informou que um declínio na área de eletrônicos na América Latina fez com que as vendas líquidas do grupo recuassem 4,8% no período, para € 46,15 bilhões. “Os resultados foram primariamente afetados pela desaceleração econômica no Brasil e pelo impacto das taxas de câmbio”, resume a empresa, em balanço.

Na prática, não bastasse a economia em recessão, estas empresas também sofrem efeitos negativos com a desvalorização do real.
— Além de o consumo estar menor, eles perdem na hora de converter suas receitas, obtidas em reais, em dólar ou euro para mandar à matriz — explica Lia Valls Pereira, professora da Uerj e pesquisadora do Ibre/FGV.

A Accor Brasil informou, em balanço divulgado mês passado, que as operações no Brasil foram a principal responsável pela queda de 40% no Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), para € 29 milhões, da Accor nas Américas em 2015. No documento, a empresa menciona “a deterioração da atividade econômica no Brasil, onde os negócios têm desacelerado em todo o país, notavelmente afetando a atividade de seminários e reuniões nos hotéis”. Num cenário de queda nos investimentos, a hotelaria sofre um baque com a queda dos eventos corporativos.

Na avaliação de especialistas, esta crise não é para iniciantes. Empresas estrangeiras que já têm raízes no país há décadas estariam mais preparadas para lidar com a turbulência.
— Para os empreendedores mais novos, que chegaram no Brasil em tempos de crescimento, a percepção pode ser tenebrosa. Ao contrário dos que estão aqui há mais tempo e conhecem melhor a lógica do Brasil, de ajustes muitos fortes pra cima e pra baixo. Esse é o nosso padrão de comportamento econômico — avalia Fábio Silveira, diretor de Pesquisa Econômica da GO Associados.

Com quase cem mil lojas fechadas no país em 2015, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio, as varejistas também foram obrigadas a rever planos. O grupo Walmart teve queda de 19% no lucro operacional de negócios internacionais no último trimestre. O valor caiu para US$ 1,7 bilhão, em razão da alta do dólar, do fechamento de 115 lojas na América Latina e condições de mercado mais difíceis em Brasil, China e Reino Unido. Em janeiro, a empresa anunciou o fechamento de mais de 200 lojas no mundo, 60 delas no Brasil.

Não sobrou dinheiro nem para o hambúrguer. Pela primeira vez em mais de dez anos, a operação brasileira da Arcos Dourados, maior franquia do McDonald’s no mundo, teve queda nas vendas. As receitas no país diminuíram 28,7% no último trimestre do ano, afetadas pela depreciação do real. Sem o efeito do câmbio, a empresa diz que o indicador teria avançado 7,6%. “O ambiente macroeconômico desfavorável no Brasil, refletido na taxa de inflação acelerada e a depreciação do câmbio, continuaram a afetar o tráfego. As vendas no varejo em geral caíram pela primeira vem em 2015 em mais de uma década".

As quedas recordes nas vendas de veículos no país também respingaram na operação da General Motors (GM). As perdas da divisão América do Sul da multinacional, que tem o Brasil como principal operação, foi uma exceção negativa no balanço anual da montadora. As perdas na região mais do que triplicaram, saindo de US$ 180 milhões em 2014 para US$ 622 milhões no ano passado. Em volume, as vendas caíram 26,5%. O resultado global, no entanto, registrou o maior lucro de sua história, US$ 9,7 bilhões em 2015.

PREÇO BAIXO ESTIMULA FUSÕES

Apesar da piora do desempenho, analistas avaliam que não há risco de uma saída significativa de empresas, já que outros emergentes também sofreram uma mudança de cenário nos últimos anos.

Com o preço mais baixo dos ativos, o que se delineia é um aumento do movimento de fusões e aquisições, o que favorece empresas que tenham vantagem competitiva clara e foco no médio prazo.

— Essas vão aproveitar para ganhar participação da concorrência ou comprar um concorrente. Quem entrou no país sem saber muito bem porque entrou, só para ter uma “estratégia Brasil”, vai sofrer mais. Os ativos estão baratos. Vai haver bastante entrada de capital estrangeiro. O que paralisa isso é a incerteza política — resume Jean Le Corre, sócio do The Boston Consulting Group.  - O Globo Leia mais em portal.newsnet 08/04/2016

08 abril 2016



0 comentários: