28 março 2016

A legião estrangeira das startups

O alemão Kai Schoppen, de 36 anos, guarda boas lembranças do sobrado de três andares na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, onde morou em seus primeiros anos no Brasil. De 2010 a 2012, ele dividiu o espaço com os conterrâneos Malte Horeyseck e Malte Huffmann. Apesar de predominante, o sotaque germânico não era o único no local. Os cinco colchões espalhados no sótão da casa foram o abrigo temporário de americanos, franceses e outros tantos estrangeiros recém-chegados ao País naquele período. A “república” de imigrantes era apenas um exemplo de uma verdadeira corrida do ouro na época. Dono de um crescimento acelerado na adoção da internet e alvo crescente dos fundos estrangeiros de venture capital e de private equity, o Brasil era – e ainda é – o novo Eldorado para jovens empreendedores que buscavam uma alternativa à crise europeia e americana para fundarem suas empresas. E Schoppen faz parte dessa geração de estrangeiros que escolheu o Brasil para criar sua startup.

Atualmente, ele é CEO e fundador da Infracommerce, que atende 100% das operações de comércio eletrônico de clientes como o Carrefour e faturou R$ 80 milhões em 2015. A DINHEIRO ouviu sete empreendedores que fincaram suas raízes no País. Além do português fluente, alguns traços em comum se destacam entre esses desbravadores dos negócios digitais brasileiros. Quase todos têm formação em universidades internacionais de ponta, como a Stanford University, berço dos fundadores do Google, Larry Page e Sergey Brin. Eles também, antes de empreenderem, passaram por grandes companhias de renome internacional, como o emblemático fundo Sequoia Capital, um dos mais importantes do Vale do Silício, a consultoria McKinsey, o Google ou a IBM.

Com a mudança do cenário econômico, o afluxo de estrangeiros para criar startups no Brasil diminuiu consideravelmente. Muitos deles voltaram aos seus países de origem. Mas, mesmo em meio à crise, não são raros os gringos que seguem apostando no Brasil. “A crise limpou o mercado de muitos ‘turistas’ que tentaram aproveitar aquela onda”, diz Schoppen. “Ao contrário do que muitos pensavam, o Brasil não é um país para se fazer dinheiro fácil. Existem boas perspectivas, mas é preciso arregaçar as mangas.” Horeyseck e Huffmann, seus antigos companheiros da república, engrossam essa corrente. Os dois permanecem à frente da Dafiti, loja virtual de moda fundada em 2010, que faturou R$ 600 milhões nos três primeiros trimestres de 2015. O que motiva esses empreendedores é participar de um mercado que passa ao largo da crise econômica. As vendas do comércio eletrônico alcançaram R$ 41,3 bilhões em 2015, alta de 15,3%, de acordo com a consultoria e-bit. O PIB, nesse período caiu, 3,8%. Em número de internautas, o Brasil está em quarto lugar, atrás apenas de China, Estados Unidos e Índia, segundo a consultoria eMarketer. No ano passado, havia 113,7 milhões de pessoas conectadas à internet. Além disso, cresce dia a dia o acesso por smartphones. No terceiro trimestre de 2015, 76,1 milhões navegavam na web por celulares, número 25 milhões superior se comparado há um ano, pelos dados da Nielsen. Por esse motivo, os gringos que não fizeram o caminho de volta para seu país de origem não têm do que reclamar. “Os que ficaram têm muito estômago e raça”, diz Newton Campos, professor do Centro de Estudos em Private Equity da Fundação Getulio Vargas.

O colombiano David Vélez, de 33 anos, CEO e fundador da Nubank, é um exemplo disso. A startup oferece um cartão MasterCard Platinum, gerenciado por um aplicativo, que ficou notabilizado pela sua cor roxa. Fundada há pouco mais de um ano, a novata contabiliza 2 milhões de clientes entre aqueles que conseguiram o cartão ou que estão na fila à espera de ser aprovado. A empresa já movimentou R$ 1 bilhão em transações. Nesse pouco tempo, a novata captou US$ 93,8 milhões e está avaliada em US$ 500 milhões, caminhando rapidamente para ser a primeira “unicórnio” brasileira, referência às empresas que conseguem valer mais de US$ 1 bilhão. “Pessoas como eu são uma commodity nos Estados Unidos”, diz Vélez. “Aqui eu sou um peixe grande, em um mercado enorme.”

Ex-aluno da graduação e do MBA da Stanford University, Vélez passou por empresas como o banco Morgan Stanley e os fundos de private equity General Atlantic e Sequoia Capital, pelos quais teve seus primeiros contatos com o Brasil, a partir de 2008. Mesmo com toda essa experiência, não foi fácil para o empreendedor colombiano conseguir recursos para fundar a Nubank, principalmente dos investidores brasileiros. “Todos, sem exceção, me disseram que era impossível concorrer com os grandes bancos”, diz Vélez. A saída foi acionar sua rede de contatos no exterior, que acreditaram no cartão roxo de Vélez. A lista de investidores, todos estrangeiros, inclui a própria Sequoia Capital, o mesmo fundo que apostou no WhatsApp. “Mesmo no Vale do Silício, eles preferem investir em estrangeiros, pois esse tipo de empreendedor tem um olhar diferente e desafia as crenças convencionais”, diz Vélez.

O fato de ter bom trânsito entre os fundos estrangeiros traz diversas vantagens a esses empreendedores, na visão de Marcelo Nakagawa, diretor de empreendedorismo da faculdade FIAP. “Os investidores se sentem mais confortáveis, pois eles compartilham a mesma visão sobre a criação, o desenvolvimento e a saída do negócio”, diz Nakagawa. A conexão com investidores estrangeiros foi fundamental para a Intelipost, uma plataforma de gestão de logística de cargas para o e-commerce. Fundada pelo alemão Stefan Rehm em 2014, a empresa nasceu de um aporte de US$ 1,52 milhão do Project A, fundo alemão de venture capital, também responsável por sua chegada ao Brasil. Ex-aluno visitante de Harvard e com passagens pelo Google e IBM no currículo, Rehm desembarcou no País, em 2012, para prospectar e trabalhar com startups locais do portfólio do Project A. Nesse intervalo, identificou oportunidades nas deficiências de infraestrutura, especialmente a logística. “Muitos investidores estrangeiros estão pessimistas com o Brasil“, diz Rehm. “Já outros enxergam a oportunidade de investir no ‘anticiclo’, pois o preço dos projetos está menos valorizado.”

CONEXÃO LOCAL O apoio inicial para desbravar o mercado brasileiro nem sempre vem de fora. Ter contatos locais também é essencial. Esse foi o caso do americano Brian Requarth, de 35 anos, CEO e fundador do VivaReal, que conecta imobiliárias, incorporadoras e corretores com usuários interessados na compra de imóveis. A ideia surgiu em 2008, quando ele morava na Colômbia. A BMG, sua empresa na época, criava portais bilíngues para corretores hispânicos nos Estados Unidos e sofria com a crise imobiliária americana. O Brasil entrou no radar, especialmente pelo tamanho do mercado local. “Eu fui o aventureiro que chegou ao Brasil antes da capa da The Economist”, afirma, bem-humorado, fazendo referência à famosa edição da revista britânica que mostrava o Cristo Redentor decolando como se fosse um foguete, indicando o potencial da economia brasileira, em 2009. “Muitos amigos americanos viam o País apenas como um lugar exótico e me chamavam de louco.”

Para colocar o projeto em pé, Requarth contou com a ajuda do brasileiro Diego Simon, que conheceu quando cursou um semestre de espanhol na Universidade de Belgrano, na Argentina, em 2002. O sofá do apartamento de 35 metros quadrados de Simon foi a morada do americano nos primeiros meses no Brasil. Mais que isso, o brasileiro se tornou sócio do VivaReal e foi uma peça fundamental na trajetória da startup. Desde então, a empresa recebeu US$ 74,8 milhões em investimentos e vale estimados US$ 200 milhões. Requarth acrescenta que a economia instável não afeta os planos da novata. “Nossos investidores não olham só o cenário macroeconômico, mas sim o desempenho do negócio, que cresceu 80% em 2015”, diz o empreendedor americano. “Mesmo que o setor imobiliário tenha retração, ainda há muito espaço para que o modelo online ganhe participação nesse bolo.”

O fato de nenhum dos empreendedores em questão ser marinheiro de primeira viagem também ajuda a explicar a permanência no Brasil. Antes de fundarem suas startups, todos eles já tinham experiência e conhecimento das particularidades do mercado local. Ex-consultor do The Boston Consulting Group, Schoppen, da Infracommerce, foi CEO e diretor de operações do clube de compras online BrandsClub. Nos dois anos em que esteve à frente da operação, trabalhou com centenas de varejistas brasileiros e viu de perto as deficiências na cadeia do comércio eletrônico. “Tive tempo de conhecer toda a complexidade fiscal e tributária do País”, diz Schoppen. Outra receita sua foi buscar um equilíbrio entre investidores estrangeiros e nacionais. A startup recebeu um aporte total de US$ 6 milhões, que combina fundos como o americano Flybridge Capital Partners e o brasileiro e.Bricks Ventures.“Ao mesmo tempo em que estabeleço uma ponte com o que está acontecendo lá fora, tenho acesso às melhores fontes para entender o mercado brasileiro.”

O americano Benjamin Gleason ilustra bem a que ponto um empreendedor pode chegar para entender o Brasil. Ele está no Brasil desde 2007, quando se candidatou a uma vaga no escritório brasileiro da McKinsey. Em 2011, quando deixou a consultoria, morou na Favela da Rocinha por três meses, onde deu aulas de inglês na ONG Instituto Dois Irmãos. O próximo passo foi comandar, por um ano, a operação brasileira do Groupon, site de compras coletivas. “Logo depois, veio o IPO da empresa na Nasdaq e o ambiente mudou bastante”, diz esse “carioca” que torce para o Fluminense. “Eu já pensava em empreender e decidi sair. Queria colocar minhas ideias à prova.”

O resultado da guinada foi o GuiaBolso, aplicativo que unifica as transações de todas as contas e cartões do consumidor, com o objetivo de ajudá-lo a controlar suas finanças. Na empreitada, teve a companhia de Thiago Alvarez, ex-colega da McKinsey. Nem mesmo a complexidade e a burocracia do mercado brasileiro foram capazes de fazer o empreendedor desistir. “Gosto um pouco do caos e, aqui, aprendi a ser mais ágil com as mudanças”, diz. Com 2 milhões de usuários e mais de US$ 10 milhões em aportes, a startup vem registrando um crescimento acelerado em função da crise econômica.

Mas nem sempre o Brasil era o destino preferencial dos empreendedores. A relação do americano Drew Beaurline, de 26 anos, com o País começou, em 2011, quando trabalhava na divisão de mercados emergentes do Barclays Capital. Mas foi a China o primeiro local a ser avaliado quando ele decidiu empreender. O país asiático foi descartado, em função do cenário altamente competitivo de suas startups. Com um ambiente menos concorrido, o Brasil foi escolhido para abrigar a Construct. Fundada em janeiro de 2014, com o também americano Patrick Albert, a novata criou um aplicativo que permite o compartilhamento de informações entre as equipes envolvidas em obras da Construção Civil. “O ecossistema de empreendimento aqui evolui mais lentamente”, diz Beaurline. “Mas sai vencedor quem chega primeiro e está disposto a desbravá-lo.”

O tamanho do mercado brasileiro, comparado aos outros países da América Latina, é um fator fundamental para se investir por aqui. Só isso bastaria para carimbar o passaporte e desembarcar no País. Mas há outra razão. Estima-se que metade dos recursos de fundos de capital risco investidos na região latino-americana é gasta no Brasil. Em 2015, foram US$ 3,2 bilhões aportados no País, segundo a Latin American Private Equity & Venture Capital Association. Com mais dinheiro disponível, fica mais fácil encontrar investidores para projetos inovadores. Observe a história do argentino Guille Freire, de 33 anos, ex-aluno de MBA do renomado Massachusetts Institute of Technology (MIT). Ele escolheu o Brasil para fundar, em maio de 2014, a Trocafone, especializada na compra e venda de smartphones usados. “Nos Estados Unidos, quando uma startup nasce, no momento seguinte há quinze outras empresas fazendo algo similar”, afirma. No Brasil, diz ele, é mais difícil estruturar e iniciar um negócio, por conta da burocracia. “Mas se você supera essa barreira, o mercado é mais atrativo, porque a concorrência é menor.” Com R$ 16 milhões captados e uma nova rodada em negociação, a Trocafone abriu sua segunda operação na Argentina no fim de 2015. O Brasil, no entanto, segue sendo a prioridade.

Mas nem tudo foi fácil para esses empreendedores. Não faltam histórias sobre a burocracia do mercado local, agravada pelo fato de serem estrangeiros. Vélez, da Nubank, demorou nove meses para conseguir abrir uma conta bancária. “As dificuldades vão desde coisas pequenas, como alugar um apartamento até fatores mais importantes, como abrir uma empresa”, diz ele. Requarth, do VivaReal, lembra que processo de formalização da novata levou cerca de sete meses. “Demorei para me acostumar com a necessidade de ir a um cartório para qualquer processo”, afirma Rehm, da Intelipost. Assim como boa parte de seus colegas, Schoppen, da Infracommerce, destaca outra barreira: a complexidade fiscal e tributária. Ele teve de contratar 20 pessoas para cuidar das novas regras de ICMS interestadual no comércio eletrônico. “Esse é um momento em que um estrangeiro pensa duas vezes em empreender no Brasil”, diz ele. Apesar desses problemas, a receptividade do brasileiro ajudou-os a permanecer por aqui. “Aqueles que ficaram, foram os que melhor conseguiram articular questões culturais com o trabalho”, diz Schoppen.“É impossível viver no Brasil sem ser contaminado pelo espírito local.” E completa: “Para o bem e para o mal.”    - IstoÉ Dinheiro Leia mais em portal.newsnet 28/03/2016

  

28 março 2016



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