03 fevereiro 2016

Petrobras: precisa-se de R$ 160 bilhões

Esse é o valor que a empresa, cujas ações bateram recorde negativo na semana passada, terá de pagar a credores nos próximos três anos. Ninguém sabe como conseguir tanto dinheiro

Imagine ser sócio de uma empresa competitiva, dona de um mercado imenso – uma verdadeira máquina de fazer dinheiro. Mas imagine também que o governo obrigue sua empresa a vender produtos com prejuízo e queimar um terço de seu caixa. Imagine ainda que seus funcionários mais graduados tenham se unido a fornecedores para roubar a companhia durante anos. As compras desnecessárias e superfaturadas levaram sua empresa a se endividar muito, e em dólar – em um período em que o valor da moeda americana disparou. Restou uma dívida cinco vezes maior do que a empresa tem em caixa. Agora, só de juros, você e seus sócios têm de gastar quase um terço dessa reserva por ano. E ainda paira sobre sua cabeça uma ação na Justiça americana, que pode lhe custar mais alguns bilhões em multas. O.k., a empresa tem patrimônio. Pode vender algo, fazer algum dinheiro e recuperar a confiança dos credores... mas quem tem pressa para vender, ainda mais numa crise, vende mal. Agora, pare de imaginar. O pesadelo é de verdade.

>> Risco Brasil e queda do petróleo ameaçam plano da Petrobras

O empresário é você, dono da Petrobras, como todo brasileiro. Nos próximos três anos, para quitar as dívidas de curto prazo da companhia, você terá de ajudar a levantar inacreditáveis R$ 160 bilhões. Só assim a estatal conseguirá voltar a funcionar normalmente. No mundo ideal, três quartos desse valor, ou R$ 120 bilhões, deveriam ser ressarcidos pelo governo. Por três anos, de 2011 a 2014, a empresa foi obrigada pelo acionista majoritário – a União – a vender gasolina e diesel a preço abaixo do que pagava para importar petróleo e derivados. Na prática, a chance de o governo federal repor o dinheiro é nula. Resta à Petrobras se virar para acalmar os credores. E rápido. Na semana passada, as ações da empresa chegaram a valer R$ 4,26, menor valor da história. A estatal descobriu que o poço de sua crise não tem fundo.

>> Ações da Petrobras atingem o menor valor desde 2003

A empresa já vinha se mexendo para tentar estabilizar a situação e começar a se recuperar. O problema é que o cenário, para as petroleiras em geral e para a Petrobras em particular, vem piorando mais rapidamente do que a companhia consegue colocar as ideias em prática. O plano da empresa para tentar se recuperar inclui redução de investimentos, venda de ativos e corte de custos. Lançado em julho, foi revisado em outubro e, novamente, há duas semanas. Com o novo ajuste, prevê cobrir os R$ 120 bilhões que a União lhe deve.

>> Queda do petróleo pode inviabilizar lucro de parte do pré-sal

Pelos planos de ajuste, a empresa economizará R$ 30 bilhões com corte de investimentos, inflados nos anos da bonança por projetos ruins e superfaturados. Mais R$ 30 bilhões viriam, em um cenário ideal, de cortes de custos (em parte facilitada pela queda no preço do petróleo a importar). Outros R$ 60 bilhões seriam obtidos com a venda de ativos não ligados ao negócio principal da empresa, também filhos dos tempos de euforia. “Se tudo der certo, a empresa se tornará mais focada e menos endividada”, diz Pedro Medeiros, analista do setor de petróleo no Citibank. No atual cenário, há chances de tudo dar certo?

>> Para economizar, Petrobras se desfaz de imóveis

No próximo mês, Aldemir Bendine completará um ano de empresa. Funcionário de carreira do Banco do Brasil, teve como primeira missão apresentar um balanço crível de 2014, então em atraso. Apresentou, então, baixas no patrimônio de R$ 6 bilhões causadas por pagamento de propina, mais R$ 44 bilhões decorrentes de projetos malfeitos. Sua segunda missão é adequar a empresa aos novos tempos. A terceira, torcer para que a Petrobras não seja condenada pela Justiça dos Estados Unidos, onde é investigada por violar a legislação de combate à corrupção, a temida Foreign Corruption Practice Act (FCPA).  Bendine ainda é visto, por muitos funcionários da empresa, como um estranho ao negócio. Entre especialistas fora da Petrobras, porém, prevalece a opinião de que ele tem o perfil correto e um plano de reestruturação aceitável para o momento – até por falta de ideias melhores. Isso não basta para que esses especialistas se tornem otimistas quanto ao futuro da empresa.

A realidade não tem colaborado. A intenção de vender um quarto da BR Distribuidora, primeiro por meio de ações, depois com a procura de um sócio, falhou. O plano de conseguir pelo menos R$ 6 bilhões com a venda de uma fatia da empresa voltou ao estágio zero. Até agora, a estatal só conseguiu se livrar de um ativo relevante, a participação de 49% na Gaspetro, por R$ 2 bilhões. O próximo passo é oferecer ao mercado seus 36% na Braskem, controlada pelo grupo Odebrecht – um dos investigados na Operação Lava Jato –, e a Transpetro, dona de terminais, navios e dutos, ainda sem valores estipulados. A cúpula da empresa avalia que conseguirá concluir algumas vendas ainda no primeiro trimestre de 2016, mas poucos especialistas de mercado partilham essa esperança. “Os interessados vão exigir um preço menor, e os negócios são complicados, porque dependem de contratos com a Petrobras e de mudanças na regulação”, diz o pesquisador Edmar de Almeida, do grupo de estudos de economia em energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

>>Corte de investimentos da Petrobras deve causar perda de R$ 260 bilhões no PIB

Por ser uma importadora, a Petrobras se beneficia, em parte, da violenta queda global no preço do petróleo. Ao contrário do que aconteceu até 2014, os preços oferecidos ao consumidor brasileiro agora estão 39% superiores à cotação externa no caso da gasolina e 80% no caso do diesel. Essa margem de lucro contribui para recolocar o caixa da empresa num patamar confortável, de R$ 60 bilhões para R$ 100 bilhões. Mas esse fator não joga só a favor da empresa. Ele dificulta ainda mais o feirão que a Petrobras gostaria de fazer. Assim como a estatal, outras petroleiras mundo afora estão vendendo seus ativos, aumentando a oferta desse tipo de negócio. Com o barateamento do petróleo, todas fogem de entrar em novos projetos. Sobram, assim, menos atores interessados na Petrobras. Entre esses poucos bravos, há ainda ceticismo sobre a conveniência de fazer negócio com uma empresa afundada pela corrupção. Para completar, há o risco adicional de emperramento na burocracia da Petrobras, que cresceu em resposta à Lava Jato. “Os processos estão mais demorados, e os técnicos muito cautelosos, pois ninguém quer ser questionado depois”, diz Paulo Furquim, coordenador do Centro de Pesquisa e Estratégia do Insper.

Suponhamos que a Petrobras conseguisse contornar essas dificuldades e fazer boas vendas de ativos. Restariam outros obstáculos, tremendos, no caminho da recuperação. O cenário traz incerteza sobre a estratégia decidida pela Petrobras – o foco total no desenvolvimento do pré-sal. Ali, as reservas são maiores e os poços em atividade produzem até quatro vezes mais que  os localizados em águas mais rasas. Seu custo operacional, porém, é bem mais alto. Há seis meses, cada barril dali extraído precisaria ser vendido a US$ 40 para se pagar. Mas a cotação atual do barril está abaixo dos US$ 30. Conforme aprimora seu trabalho no pré-sal, a Petrobras consegue extrair óleo dessa região ultraprofunda com custo menor. Trata-se de uma corrida – a empresa só vence se conseguir baratear seus processos mais rapidamente do que despenca o preço do petróleo. “O corpo técnico da empresa tem conseguido baixar os custos dessas áreas rapidamente”, diz Pedro Medeiros, do Citi. Mas o corte de custos enfrentará resistência. Os trabalhadores, agrupados em sindicatos poderosos, resistem em perder benefícios.

Nos últimos dias, ressurgiu a expectativa de o governo autorizar uma operação para levantar dinheiro com a emissão de novas ações. A hipótese ajudou a derrubar as cotações. “Seria necessário muito dinheiro para fazer diferença. E, com o valor baixíssimo das ações hoje, teria de ser oferecida uma quantidade de papéis monumental, que não encontraria compradores”, diz o analista Flavio Conde, da consultoria Whatscall. Em relatório, o Citi afirma que a operação seria arriscada para o governo, pois o Tesouro teria de comprar parte das novas ações para não perder participação na empresa, num momento de tentativa de ajuste das contas públicas. Bendine apresentou ao governo uma proposta desse tipo em 2015. Ela foi rechaçada pela equipe do então ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Nos últimos dias, ÉPOCA ouviu três profissionais ligados à alta administração da empresa, que negaram haver qualquer discussão desse tipo atualmente.

No Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, a Petrobras foi tema de conversas entre o ministro da fazenda, Nelson Barbosa, e investidores e empresários. Questionado por ÉPOCA se o governo poderia intervir, ele disse que isso poderá ocorrer caso a situação da empresa se torne crítica. Não quis detalhar que tipo de intervenção seria essa. No início da semana passada, ele havia negado que o governo tivesse a intenção de injetar dinheiro na Petrobras. Em 15 de janeiro, a presidente Dilma Rousseff preferiu deixar essa possibilidade em aberto. “Não descartamos que será necessário fazer uma avaliação, se esse processo (a queda global do petróleo) continuar”, disse. Dilma afirmou ainda que a companhia “não para” com o barril a US$ 30.

A Petrobras afirma que a redução da dívida e a melhoria do retorno para os acionistas são “objetivos fundamentais”. Para isso, a empresa busca vender ativos, reduzir custos e melhorar o desempenho. A companhia informa que a crise global no setor também leva os fornecedores a reduzir valores cobrados nos equipamentos e serviços. De acordo com a Petrobras, a produção nos poços do pré-sal vem mostrando melhor relação entre custo e benefício do que se esperava inicialmente, o que permite cortar investimentos sem comprometer tanto a produção. A dimensão dos desafios mostra que, mesmo se todas as apostas derem certo, a Petrobras continuará em recuperação por muito tempo. Isso exigirá uma prolongada vigilância contra a corrupção, a ineficiência e as tentações de uso populista da companhia. por SAMANTHA LIMA COM ANA CLARA COSTA, DE DAVOS Leia mais em revistaepoca 25/01/2016

03 fevereiro 2016



0 comentários: