08 novembro 2015

Estrangeiros avancam sobre empresas brasileiras

Ao declarar, em Nova York, na semana passada, que "o Brasil está em liquidação", o empresário Abilio Diniz tornou pública uma afirmação que, há meses, ronda os escritórios de bancos, fundos de investimento e empresas brasileiras. Na descrição de alguns executivos do mercado financeiro, é como se o País tivesse se tornado, com a desvalorização do real, um imenso outlet: com negócios atrativos, que ficam ainda mais interessantes, para os gringos, ao converterem as moedas.

A pesquisa mensal da consultoria PwC sobre fusões e aquisições no País dá uma ideia desse movimento. Entre janeiro e setembro deste ano, embora o número de transações tenha caído 12% em relação ao mesmo período do ano passado, a participação de estrangeiros aumentou e, até o fim do ano, deve ultrapassar a de brasileiros em número de negócios. A diferença entre eles foi diminuindo ao longo do ano, até chegar, em setembro, a 50% de participação cada um. É a primeira vez que isso acontece desde que a consultoria começou a acompanhar as fusões e aquisições no Brasil, em 2002.

"É uma nova onda de investimento estrangeiro chegando ao País", diz Rogério Gollo, sócio da PwC. "O último grande movimento desse tipo aconteceu entre 2008 e 2010, com a perspectiva de crescimento da economia brasileira."

Agora, os investidores se aproveitam do que alguns empresários nacionais têm chamado de "tempestade perfeita", do lado de cá: ao mesmo tempo em que a alta dos juros fez crescer a dívida das empresas, o desaquecimento da economia derrubou a demanda, fragilizando a operação de muitas companhias.

Um recorte feito pelo banco de investimentos Greenhill faz esse retrato. Em 2010, num grupo de 35 transações, 26% delas envolviam a venda de empresas com índice de alavancagem superior a três vezes o Ebtida (indicador que mostra o potencial de geração de caixa). Neste ano, em um total de 54 transações analisadas, 55% estavam nessas condições.

"Esse não é um nível de endividamento considerado saudável no mercado", diz Daniel Wainstein, presidente do Greenhill no Brasil. "O aumento desses níveis reduz o poder de negociação dos vendedores."

Na semana passada, a venda da divisão de cosméticos da Hypermarcas para a multinacional Coty, por R$ 3,8 bilhões, foi emblemática. A empresa brasileira queria se desfazer do negócio para zerar seu endividamento bilionário e recuperar o fôlego para investir na venda de medicamentos.

Fontes do setor ponderam, no entanto, que o preço de fechamento do negócio não foi uma barbada, já que a Coty pagou cerca de 20 vezes o Ebtida da divisão de consumo da Hypermarcas. "A entrada deles era considerada estratégica no País, que é um dos maiores consumidores de produtos de beleza do mundo, por isso pagaram um prêmio pelo negócio", disse uma fonte próxima à transação.

A Coty é apenas uma de várias multinacionais que voltaram a olhar com lupa o mercado brasileiro nos últimos meses. A mexicana Femsa, por exemplo, aproveitou o momento para fazer mais uma aquisição no País.

A divisão de logística do grupo, que também é distribuidor da Coca-Cola, acabou de anunciar acordo para a compra da paranaense Atlas Transportes. O valor não foi divulgado, mas a reportagem apurou que o negócio ficou em R$ 1,1 bilhão.

Ao mesmo tempo, o grupo americano de educação Devry, que já tem universidades no Nordeste, é um dos favoritas para comprar uma fatia da escola de negócios Ibmec, em São Paulo. As empresas não comentam o assunto.

Brasil pode atrair aporte bilionário de fundos

O cenário é perfeito para eles: empresários com a corda no pescoço, endividados, precisando de capital, e, por isso, mais suscetíveis a vender parte ou a totalidade de seus negócios. Para os fundos de private equity, que compram participação em empresas para vender no futuro com lucro, o momento é ideal. Hoje, a estimativa é de que eles tenham R$ 130 bilhões em recursos comprometidos para o Brasil e um número crescente de negociações em andamento.

No ano, segundo dados da consultoria PwC, a participação dos fundos de private equity chegou a 178 em setembro - mais do que os 170 do ano passado. Houve crescimento embora o número de transações, no geral, tenha diminuído de 640 para 565.

Em julho, quando as tensões em Brasília se acentuaram, com impacto direto na economia, os fundos entraram em compasso de espera e seguraram o fechamento de alguns negócios. Agora, com um ambiente político mais calmo e o dólar rondando a casa dos R$ 3,80, a tendência, dizem executivos de bancos de investimento, é que as transações voltem a ser finalizadas.

"Ainda que não seja o item determinante, o câmbio tem um peso importante na decisão de investimento", diz o pesquisador do Núcleo de Estratégia e Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral, Sherban Leonardo Cretoiu.

Com alta volatilidade do dólar, os fundos adiaram investimentos, temendo perder dinheiro. "Agora, o horizonte está um pouco mais firme e a insegurança com a perda cambial é menor", disse o gestor de um fundo internacional. "Estou com quatro negócios em andamento e recebendo um volume maior de ligações de empresários dispostos a vender seus negócios."

Para Herbert Steinberg, sócio da consultoria Mesa Corporate Governance, dizer que o Brasil está barato em moeda estrangeira não está errado. "Mas afirmar que o investidor, quando olha País, analisa só o câmbio é incorreto."

A relação, lembra o consultor, é feita com base no Ebtida, indicador que mede o potencial de geração de caixa de uma empresa e serve de parâmetro na hora de definir seu preço de venda. "Muitas empresas (hoje à venda) estão com Ebtida entre 20% e 25% abaixo da meta estipulada. Isso significa fluxo de caixa deteriorado."

Segundo estimativas de bancos de investimento, cerca de R$ 150 bilhões de ativos estão à venda no País. Boa parte dessa cifra está relacionada a empresas envolvidas na Operação Lava Jato, da Polícia Federal.

Segundo o sócio da consultoria independente BF Capital, Renato Sucupira, essas companhias estão sem crédito na praça e precisam fazer caixa para pagar financiamentos e possíveis multas que venham a ser aplicadas a elas. Na lista, estão a CAB Ambiental e a BR-153, da Galvão Engenharia, e a Invepar, que tem participação da OAS. A própria Petrobras já anunciou que pretende fazer um "desinvestimento" da ordem de R$ 15 bilhões (leia mais abaixo). "O problema é que hoje é o momento para se comprar Brasil. Mas não para se vender ativos", disse Herbert Steinberg.

A gestora de investimentos Advent é uma das que estão olhando o País com interesse nesse momento. Em setembro, o fundo anunciou a compra de 13% da Core Participações, um dos controladores do laboratório Fleury, e não descarta fechar novos negócios na área de saúde. Em março, comprou a Faculdade Serra da Gaúcha, marcando sua volta ao setor de educação, depois de lucrar no passado com a maior empresa do setor, a Kroton.

Segundo Patrice Etlin, presidente do Advent no Brasil, o fundo está olhando negócios resilientes como saúde, educação e tecnologia.

O momento, segundo o sócio da PwC, Rogério Gollo, é propício para os fundos por causa do ciclo de investimentos que eles costumam fazer nas empresas. Entre a compra e a venda, em geral, passam-se cinco anos. Depois desse período, a participação é vendida na Bolsa, por meio de uma oferta de ações ou para um sócio estratégico, que pode ser um concorrente ou uma multinacional. "Nessa corrida, as empresas estrangeiras costumam ser mais cautelosas do que os fundos de private equity", diz Gollo. "O interessante é que eles cheguem antes para vender para as múltis no futuro."

Neste momento, há um novo nicho de fundos de investimento se voltando para o mercado brasileiro. Conhecidos como "distress", esses fundos costumam olhar empresas que estejam prestes a entrar ou que já entraram em recuperação judicial. Entre os nomes que começaram a sondar o mercado com essa finalidade está a TCP Latan, que está montando uma carteira de R$ 40 milhões para investir em até seis empresas por meio da aquisição de debêntures conversíveis em ações.

Na avaliação do professor do Insper, Sérgio Lazzarini, todo esse movimento de entrada de capital estrangeiro no Brasil é positivo para a economia neste momento. "O ideal era que fossem feitos investimentos do zero, mas a chegada de multinacionais e fundos também é interessante para o País", diz. "Entre o fim dos anos 90 e o início de 2000, com as privatizações, a chegada de grupos estrangeiros provocou um rearranjo no setor produtivo." Fonte: AE Leia mais em reporterdiario 07/11/2015

08 novembro 2015



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