09 outubro 2015

Compra do HSBC foi a revanche do Bradesco

"Isso não vai acontecer durante a minha vida.” Essa era a resposta de Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, quando alguém perguntava se o banco voltaria a ser a maior instituição financeira privada do país. O Bradesco manteve o posto por 57 anos até 2008, quando Itaú e Unibanco se uniram. De lá para cá, todas as oportunidades de aquisição que surgiram foram de bancos pequenos, incapazes de recolocar o Bradesco na briga pela liderança.

Isso até que o britânico HSBC anunciou sua intenção de vender a operação no Brasil, a sexta maior do país. Foi então que se viu o Bradesco entrar na negociação com uma agressividade pouco comum. Tanta que o mercado achou o valor da transação alto — as ações do Bradesco estiveram entre as maiores baixas do Ibovespa no dia do anúncio da compra.

O preço pago, de 17,6 bilhões de reais em dinheiro, equivale a quase 15 vezes o lucro projetado para o HSBC em 2015. Para ter uma ideia, o Bradesco, banco muito mais eficiente e rentável do que a operação do HSBC no Brasil, é negociado em bolsa por um múltiplo 45% inferior, segundo projeções do Deutsche Bank.

“Subimos o preço ligeiramente”, disse a EXAME Lázaro Brandão, experiente e discreto presidente do conselho de administração do Bradesco. “Não podíamos deixar passar essa oportunidade, porque não há outra desse porte no mercado brasileiro. Estávamos psicologicamente preparados para a briga.”

A aquisição da filial do HSBC é o maior negócio registrado no Brasil neste ano em que a economia acumula uma notícia ruim atrás da outra. Em pleno ambiente de incerteza, não deixa de ser uma comprovação do dinamismo do setor privado brasileiro — mesmo em países desenvolvidos, operações desse porte não acontecem todo dia.

No mercado bancário nacional, por sua vez, a união entre a quarta e a sexta instituição por total de ativos é a maior transação desde a fusão entre o Itaú e o Unibanco há quase sete anos. Ao comprar o HSBC, o Bradesco passa a ter 31,5 milhões de clientes, cerca de 5 500 agências e 1,2 trilhão de reais em ativos. Supera a Caixa e assume o terceiro posto no ranking por ativos. E — talvez o mais importante — encosta para valer no rival Itaú.

Se conseguisse fazer o banco britânico crescer de uma hora para a outra tanto quanto o restante de sua operação, o Bradesco poderia passar o Itaú em dois anos. O cálculo foi feito pela consultoria Lopes Filho e exclui negócios não bancários, como as seguradoras. Por esse critério, o Itaú, antes da compra do HSBC, era 27% maior do que o Bradesco.

Agora a distância caiu para 6%. Levando em conta todos os negócios das duas instituições, a diferença saiu de 17% para apenas 1%. Mas ser o primeiro realmente faz tanta diferença? Em termos objetivos, não. Escala é algo vital no setor bancário porque permite diluir custos fixos com sistemas de tecnologia, centros de operação, segurança e funcionários. Por isso, é a motivação central de fusões e aquisições no setor. Mas não é preciso ser o primeiro do ranking para obter esses ganhos.

No caso do Bradesco, porém, a liderança tem um valor simbólico. “A cultura do banco foi construída pelo fato de ele ser o líder do mercado privado. Perder isso abalou o ego e tornou mais difícil motivar o time”, diz um especialista em gestão. É claro que, se a aquisição não fizesse sentido econômico, Brandão e Trabuco nunca fariam um cheque de quase 18 bilhões de reais só para o Bradesco voltar a ser o maior. Como foi possível aliar as duas coisas, melhor.

Trabalhar no setor bancário é peculiar por várias razões. Uma delas é o fato de que muitos funcionários não conseguem enxergar resultados palpáveis do que fazem no mundo real. Um gerente que convença um cliente a investir em um fundo de ações de empresas do setor elétrico, por exemplo, nunca saberá quais usinas poderão ser financiadas com sua decisão.

Por isso é comum ouvir que esses profissionais se sentem como pequenas peças de uma engrenagem gigante. Para dar uma motivação aos funcionários que vá além de salários e promoções, a estratégia do Bradesco é criar um propósito mais concreto ao trabalho: a ideia de que o esforço de cada um pavimenta o caminho do banco rumo ao topo. “A compra renovou o ânimo, inflamou o quadro de funcionários, pois mostrou que estamos avançando. É algo que tem de entrar no preço, certo?”, diz Brandão.

O que despertou o interesse do Bradesco, porém, foram coisas bem concretas: as joias do HSBC. A principal delas são os cerca de 1 milhão de clientes de alta renda — hoje, o Bradesco tem 800 000 correntistas desse perfil (aqueles que recebem mais de 10 000 reais por mês, de acordo com a linha de corte do banco). O HSBC tem também profissionais especializados em atender esse público, algo que o Bradesco ainda está aprendendo a fazer.

Com a aquisição, Trabuco e seus comandados passarão a ter mais condições de competir com o Personnalité, do Itaú, um dos serviços de avaliação mais alta da categoria. Outra vantagem da compra é que, nas mãos do Bradesco, o departamento de crédito do HSBC deverá ganhar um novo calibre. Hoje, a filial brasileira do banco britânico empresta pouco e direciona boa parte dos financiamentos a grandes empresas, muitas multinacionais, que pagam juros baixos (veja quadro ao lado).

“O Bradesco tem a experiência necessária para balan­cear melhor a carteira e melhorar a rentabilidade”, diz Eduardo Nishio, analista do setor financeiro do banco Brasil Plural, com sede em São Paulo. O desafio é fazer essa mudança num momento em que se espera o aumento da inadimplência, motivada pela recessão econômica.

A conclusão do negócio tem também um quê de ironia. Há pouco mais de dez anos, era o HSBC que discutia a possibilidade de comprar o Bradesco, segundo pessoas próximas às instituições. Era uma época em que a grande dúvida no mercado brasileiro era se os bancos nacionais seriam capazes de resistir à chegada de concorrentes estrangeiros.

O Santander acabara de comprar o Banespa, numa das maiores transações já vistas por aqui até então. Antes, o holandês ABN Amro havia adquirido o Real. Hoje, apenas Santander e Citi continuam entre os dez maiores bancos do país — o Citi, com apenas 127 agências, tem menos de 1% de participação no total de ativos do mercado.

O Santander é o único que se destaca, como o quinto maior banco, atrás de Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Caixa Econômica Federal. Ainda assim, os espanhóis estão mais contidos do que já foram. Chegaram a fazer uma oferta pelo HSBC, mas não entraram numa guerra de preço com o Bradesco, segundo executivos que acompanharam as negociações. Com a saída do HSBC, os estrangeiros passam a responder por 12% do total de ativos dos dez maiores bancos. Há dez anos, eram 18%.

O que isso significa? O mercado brasileiro só faz sentido para bancos locais? “O Brasil não foi lido adequadamente pelos bancos internacionais”, diz Rodrigo Dantas, sócio para o mercado financeiro da consultoria EY.

“No atacado, uma única transação pode render uma comissão que garante o ano todo. Mas ganhar dinheiro no varejo é diferente, porque é preciso ter tamanho e o resultado só vem com o tempo.” Com exceção do Santander, os demais estrangeiros que lutavam para estar entre os grandes acabaram desistindo quando crescer se mostrou mais complexo do que parecia.

O exemplo do HSBC é ilustrativo. Ao comprar o Bamerindus, em 1997, a meta era ser a maior instituição privada do país — hoje, tem 30% menos agências. Em 2003, tentou ganhar terreno na baixa renda e comprou a financeira Losango. Anos depois, colocou a empresa à venda por metade do valor pago. Mais recentemente, decidiu se concentrar apenas em serviços a grandes empresas e a clientes de alta renda. Não deu certo: fechou 2014 com prejuízo.

Com o tempo, segundo executivos que conhecem a fundo a operação, o Brasil deixou de estar entre as prioridades da matriz. Sem dinheiro para investir em aquisições, não conseguia ter escala. E, sem escala, não fazia dinheiro. É possível ganhar mercado de forma orgânica, abrindo agências e “roubando” clientes da concorrência, mas o processo é demorado e caro.

“Os clientes não trocam de banco com facilidade. Podem até abrir novas contas, mas tendem a manter um banco como o principal”, diz um alto executivo do setor. E os clientes só se tornam rentáveis se fizerem investimentos, comprarem seguros e gastarem no cartão de crédito. A pá de cal nas ambições da maioria foi a crise de 2008. Em maior ou menor medida, esses bancos tiveram perdas e reduziram o que restava de apetite por investimentos no Brasil.

O desafio da integração

Bradesco e Itaú passaram ao largo dessas questões. Nenhum deles colocou em prática estratégias mirabolantes de crescimento, nem quis revolucionar o mercado baixando preços. Também ajudou o fato de estarem longe do epicentro da crise financeira mundial. Ainda que o Itaú tenha comprado bancos e aberto agências em países da América Latina, mais de 90% do resultado vem da operação brasileira.

Em geral, os dois bancos têm mais agilidade do que os estrangeiros na hora de decidir o que comprar e em que segmentos investir e, acima de tudo, são conservadores ao emprestar, o que manteve seus balanços sólidos ao longo dos anos. “Não temos alternativa. Por estratégia, estamos casados com o Brasil”, diz Trabuco. “Os ciclos econômicos são inevitáveis. Estamos num momento difícil, mas, se houver qualquer mudança de cenário — e, eventualmente, uma melhora vai acontecer —, vamos potencializar a taxa de retorno de nossa aquisição.”

Como acontece com todos os assuntos estratégicos para o Bradesco, a compra do HSBC foi analisada e discutida pela diretoria executiva em parceria com os conselheiros (não há membros independentes no conselho, formado por ex-funcionários, herdeiros de Amador Aguiar, fundador do banco, além de Trabuco).

Há décadas, é esse grupo de pessoas que controla o banco. Juntas, têm 38% do capital da instituição — o restante está dividido entre fundos de investimento e acionistas na bolsa de valores. Na prática, porém, a palavra final sobre o que comprar e quanto pagar cabe ao experiente Brandão. Todos os envolvidos sabem que o que vai determinar se a compra do HSBC foi ou não um bom negócio é como o Bradesco vai aproveitar as vantagens do HSBC — e isso depende do grau de sucesso da integração do banco.

O Bradesco estima que apenas os ganhos de sinergia, trazidos pela escala, chegarão a 2,5 bilhões de reais já no primeiro ano. Para a maioria dos analistas, a meta é arrojada — o banco Credit Suisse, por exemplo, prevê 5,9 bilhões de reais em quatro anos, o que dá uma média de cerca de 1,5 bilhão de reais por ano.

Uma série de coisas pode dar errado numa integração desse tamanho. Demorar para transferir os correntistas de um banco para o outro e falhar ao decidir quais produtos deixarão de existir e que funcionários vale a pena manter são alguns exemplos. Conta a favor o fato de o Bradesco ter uma larga experiência nesse campo: comprou 48 instituições ao longo de sua história.

Mas a operação do banco britânico no Brasil é a maior delas. A segunda maior compra foi a do BCN, no agora longínquo 1997. A expectativa de Trabuco é que a integração seja concluída em até três anos. “Mas não será uma heresia se levarmos cinco. Demoraríamos mais para crescer de forma orgânica”, diz ele. O processo só vai começar de fato quando o Banco Central aprovar a operação, o que pode levar meses, mas o Bradesco já montou um “comitê de transição”.

É formado por três vice-presidentes, Alexandre Glüher, Domingos de Abreu e Maurício Minas. Uma das tarefas de Minas, responsável pela área de tecnologia do banco, é avaliar a empresa que cuida do centro de operações do HSBC — e que fica em Curitiba, juntamente com a sede do banco. Como o Bradesco terceiriza esse serviço, pode passar a usar essa empresa. Isso ajudaria a resolver o que os analistas apontam como uma das maiores dificuldades da integração: a situação dos cerca de 7 000 funcionários do HSBC em Curitiba.

Apenas uma pequena parcela trabalha nas agências. O restante está em áreas administrativas e no centro de operações — onde, geralmente, acontece o maior número de demissões. O sindicato dos bancários vem pressionando para evitar “demissões em massa”.

Além disso, como o HSBC paga dezenas de milhões de reais em impostos à cidade, há uma pressão política para que os “ajustes” sejam feitos aos poucos. Em nota, a prefeitura de Curitiba disse que esse processo “deverá trazer impacto sobre a arrecadação, mas a parcela que isso representará depende da modelagem da negociação”.

Tradicionalmente, o Bradesco preocupa-se em manter os funcionários dos bancos que compra. Márcio Cypriano, que antecedeu a Trabuco na presidência, saiu do Banco da Bahia, adquirido em 1973. Atualmente, um terço dos vice-presidentes e diretores executivos do Bradesco veio de instituições adquiridas. “Trazer funcionários de fora é algo importante para um banco que é fechado e tem uma cultura tão própria, porque areja o quadro e estimula a competição. É um ganho intangível da compra”, afirma Trabuco.

Pelo menos por enquanto, porém, não há planos de fazer mudanças no modelo de gestão para facilitar a adaptação dos que virão do HSBC. Entre outras particularidades, não há bônus individuais no Bradesco. Os funcionários recebem remuneração variável quando os resultados do banco superam as metas, e o valor é o mesmo para todos os profissionais de um mesmo nível hierárquico (a exceção é o banco de investimento).

Além disso, a hierarquia é rígida, tempo de casa conta nas promoções e a jornada começa, invariavelmente, às 7 da manhã. “Será preciso definir a cultura vencedora olhando o futuro do banco”, diz Betânia Tanure, diretora da BTA, consultoria especializada em gestão que tem grandes bancos como clientes. “O ideal é que não seja uma imposição do comprador. Se esse processo não for feito com clareza, a instituição pode perder os melhores talentos ou entrar numa briga interna que deixaria os clientes em segundo plano.”

Seria uma perda de tempo impensável para quem acaba de assinar o maior cheque do ano no Brasil. Por mais que o Bradesco afirme não ter pressa, é claro que o tempo para saber se a compra do HSBC foi ou não um bom negócio já está correndo. Depois de sete anos amargando um incômodo segundo lugar, a hora é mesmo de correr para retomar o topo. Giuliana Napolitano, de Revista EXAME Leia mais em exame 09/10/2015


09 outubro 2015



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