05 outubro 2015

Com a crise, empresas fazem saldão de ativos de R$ 150 bi

Alta do dólar e Lava-Jato também motivam venda de negócios

Afetadas pela crise econômica, preocupadas em aumentar a geração de caixa ou em se adaptar à nova realidade do mercado — focando em segmentos mais estratégicos e lucrativos —, empresas públicas e privadas estão promovendo um verdadeiro saldão de ativos. Levantamento feito pelo GLOBO em diferentes setores aponta que as companhias estão tentando se desfazer de ao menos R$ 149,6 bilhões. Para se ter uma ideia do tamanho desta operação, a cifra equivale ao Produto Interno Bruto (PIB) da Bahia no ano passado. É comparável ainda ao orçamento de seis usinas Belo Monte. Ou ainda: o montante é pouco superior ao impacto causado pela Operação LavaJato, da Polícia Federal, na economia brasileira em 2015, segundo cálculos da GO Associados (R$ 140 bilhões).

Na lista de empresas, estão Petrobras, Vale, Eletrobras e Infraero. As construtoras, afetadas pela Operação Lava-Jato, também entraram em temporada de liquidação, que inclui a venda de participações em diversas concessões. Analistas destacam que, apesar da instabilidade econômica, a forte alta do dólar — muito próximo dos R$ 4 — contribui para atrair investidores estrangeiros.

— O Brasil está barato. Houve desvalorização de 60% a 70% no valor dos ativos nos últimos 12 meses por causa da alta do dólar. E a liquidez internacional é gigantesca — diz Fabio Silveira, diretor de pesquisa da GO Associados.

Ele avalia que a crise econômica pode durar até três anos e que a turbulência política, apesar de criar instabilidade institucional, é menor que os problemas políticos e sociais de outros emergentes, como os países do Leste Europeu e do Oriente Médio.

GOVERNO PODE LEVANTAR R$ 10 BI COM AEROPORTOS

Mas há desafios. Especialistas citam o caso da Petrobras, que vem sentindo os efeitos da crise econômica e da Operação Lava-Jato. Em meio ao maior escândalo de sua história, a estatal foi obrigada a cortar investimentos e vender ativos para reduzir seu nível de endividamento, que deve ter chegado a R$ 500 bilhões no fim de setembro, agravado pela alta do dólar e pela queda do preço do petróleo. Sua meta é se desfazer de US$ 15,1 bilhões (R$ 59,6 bilhões) até o fim do ano que vem.

— A companhia precisa vender ativos, mas ainda não conseguiu bom resultado. Até a abertura de capital da BR Distribuidora foi adiada — diz Eduardo Roche, sóciogestor da Canepa Asset Brasil.

Com o fim do superciclo das commodities, principalmente devido à desaceleração da China, a Vale apertou o passo de seu programa de venda de ativos. Para este ano, a expectativa da mineradora é levantar de US$ 6 bilhões a US$ 7 bilhões (até R$ 27,6 bilhões) com desinvestimentos e parcerias. No rol dos ativos que foram para a prateleira estão participações no corredor logístico de Nacala e uma mina de carvão, ambos em Moçambique.

A Vale frisa que a reorganização de portfólio foi iniciada em 2011, quando passou a focar em “ativos de classe mundial, com baixo custo, vida longa e potencial de expansão”. O objetivo é fazer caixa para tocar projetos essenciais, como o S11D (expansão do Complexo de Carajás, no Pará), o maior da história da companhia, orçado em US$ 16 bilhões.

A CSN é outra que está à caça de compradores. São dois os ativos oficialmente à venda: o terminal de contêineres de Sepetiba (Rio de Janeiro), avaliado em cerca de R$ 1 bilhão, segundo fontes de mercado, e a fatia da empresa na Usiminas. Mas não está descartada a venda de ações que a siderúrgica detém na MRS e as subsidiárias de embalagem.

Em recente relatório, a agência de classificação de risco Fitch avaliou que a empresa precisa vender R$ 4 bilhões nos próximos dois anos para reduzir seu  endividamento. A dívida líquida da companhia no fim do segundo trimestre estava em R$ 20,7 bilhões. A CSN não comenta.

A empresa estava correndo contra o tempo para negociar com potenciais compradores, mas conseguiu fôlego mês passado, ao alongar cerca de R$ 5 bilhões de sua dívida de curto prazo. O cenário não ajuda. Além da sobreoferta mundial de aço, a demanda por produtos siderúrgicos vem caindo no Brasil, com a desaceleração econômica.

Marco Aurélio Barbosa, estrategista da CM Capital Markets, que acompanha 180 companhias de capital aberto no país, lembra que a venda de ativos é uma saída extrema para evitar a quebra:

— Antes, ela pode reduzir investimentos, enxugar custos, demitindo pessoas ou revendo contratos, por exemplo. Mas, quando há um descasamento enorme entre a geração de caixa e os custos para se manter, a saída é vender. O problema é que o comprador acaba oferecendo valor muito depreciado e, com a economia em retração, isso se potencializa.

No setor aéreo, o governo planeja vender os 49% de participação da Infraero nos aeroportos já concedidos à iniciativa privada — Brasília, São Paulo (Guarulhos e Viracopos), Galeão (no Rio) e Confins (Belo Horizonte). Segundo estimativas da equipe econômica, a meta é faturar ao menos R$ 10 bilhões. Na nova rodada de concessão, prevista para 2016, os aeroportos de Fortaleza, Salvador, Florianópolis e  Porto Alegre deverão ser integralmente entregues ao setor privado.

— Haverá demanda dos estrangeiros. Os ativos estão baratos e a instabilidade econômica e política também pesa, o que pode deixá-los mais em conta — diz o advogado Roberto Nasser.

NAS MONTADORAS, SAÍDA É CORTAR VAGAS

Entre as empreiteiras, a Lava-Jato colocou sob os holofotes pesos-pesados como OAS, Odebrecht, Galvão Engenharia e UTC. Endividadas, com contratos cancelados e sem crédito, ao menos cinco empresas, com dívidas que somam R$ 15 bilhões, pediram recuperação judicial. E vão vender ativos para tentar quitar dívidas. Caso da OAS, que colocou à venda sua fatia de 22,44% na Invepar, empresa que tem participação no aeroporto de Guarulhos, Metrô Rio, entre outros. A empreiteira espera arrecadar R$ 2,2 bilhões com a venda. Já a UTC está vendendo os 23% que detém no aeroporto de Viracopos. O valor estimado é de R$ 450 milhões. Procuradas, as empresas não comentam.

— Para algumas empresas era vender ativos ou quebrar — afirma Ricardo Carvalho, diretor da Fitch Ratings.

Há exemplos até no setor de carnes processadas. Em junho, a Marfrig vendeu para a JBS por US$ 1,5 bilhão (R$ 4,5 bilhões ao câmbio da época, R$ 3,10) a marca de  alimentos Moy Park, com base na Irlanda do Norte. A empresa ganhou fôlego para reduzir o endividamento, de R$ 10 bilhões, sendo 92% em moeda estrangeira, segundo o analista Felipe Martins, da Coinvalores. A BRF se desfez de ativos não prioritários — concluiu a venda da unidade de lácteos em julho para a francesa Lactalis — para se concentrar em bovinos e suínos e produtos processados. A unidade de lácteos representava 10% da receita líquida, justifica a empresa.

Na indústria automobilística, a opção foi recorrer a suspensões temporárias do contrato de trabalho (lay off), férias coletivas, licenças remuneradas, adoção do Programa de Proteção ao Emprego (PPE) e demissões. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), até agosto foram fechadas quase 10 mil vagas. POR BRUNO ROSA / DANIELLE NOGUEIRA / DANILO FARIELLO / GERALDA DOCA / JOÃO SORIMA NETO E ANA PAULA MACHADO
RIO, BRASÍLIA E SÃO PAULO -  Fonte: O Globo 04/10/2015 Leia mais em sinicon 05/10/2015

05 outubro 2015



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