30 junho 2013

Quem são os 'anjos' que multiplicam o lucro das startups

Eles têm dinheiro e estão de olho em ideias inovadoras e com potencial de retorno de até 50 vezes o capital investido. Os investidores-anjo movimentam quase R$ 500 milhões no Brasil

Aos 16 anos, a estudante Camila Farani começou a trabalhar como caixa de uma charutaria no Rio de Janeiro. Hoje, a advogada e empresária de 31 anos é também a primeira investidora-anjo do Brasil a injetar seu capital em duas startups. Ela e outros 6.300 ‘anjos’ brasileiros já aplicaram quase R$ 500 milhões em novas empresas até o ano passado, segundo a Anjos do Brasil, entidade que fomenta este tipo de investimento no País.

 Mais comum nos EUA – onde há pelo menos 268 mil investidores-anjo – a aposta em empresas embrionárias, com propostas inovadoras, surge como alternativa a investimentos tradicionais, como o mercado de capitais. “O potencial de retorno é de até 50 vezes o capital investido, maior do que qualquer investimento disponível no mercado. Mas o risco também é maior”, explica Cássio Spina, fundador da Anjos do Brasil, empresário e investidor.

 O número de ‘anjos’ no Brasil saltou 18% em 2012 ante o ano anterior. São pessoas com capital consolidado, dispostas a vê-lo crescer junto a novas empresas. Eles possuem entre 30 e 60 anos, fizeram curso superior e especializações e costumam ter forte espírito empreendedor, segundo Spina. Muitos deles já são empresários, outros são executivos de grandes empresas e alguns, profissionais liberais, como médicos e advogados.

 Os ‘anjos’ costumam reservar entre 5% e 10% do seu patrimônio pessoal para o crescimento das empresas, mas o valor pode variar. De acordo com Spina, que acompanha grupos de interessados por todo o Brasil, mulheres ainda são minoria absoluta.

 A vontade de empreender, no entanto, levou Camila a ser exceção neste meio. Do primeiro emprego ao topo do pedestal, ela tornou-se sócia minoritária do grupo Boxx com 21 anos e fundou a Farani Fresh Food, uma rede de alimentação saudável.

A vivência de empresária no setor incentivou Camila a apostar na startup Easy Food, focada em educação nutricional e otimização de estabelecimentos de consumo em escolas. “A experiência de campo é decisiva para o desenvolvimento do novo negócio, quando o cenário de incerteza é predominante”, acredita.

 Camila também adotou o projeto Hotelli, uma plataforma com hotéis e pacotes com preços corporativos, até 70% menores que agências e sites de viagens. Ainda embrionárias, as empresas nas quais ela apostou recebem não só dinheiro, mas orientação e capacitação. “Pretendo auxiliar os empreendedores a desenvolverem seus modelos de negócio, ajudando-os a se tornarem grandes líderes”, conta a investidora.

 Atratividade 
 A realização pessoal do investimento-anjo é o maior atrativo do negócio, junto ao retorno financeiro, na visão de Spina. “O papel dos ‘anjos’ é também ajudar o empreendedor a construir o negócio e ser um conselheiro. É um sócio que não apenas coloca dinheiro na empresa, mas se dedica ao seu crescimento”.

 Mas antes de apostar em uma startup, os ‘anjos’ avaliam se a proposta é de fato inovadora – e se for inspirada em modelos de outros países, que seja nova em território nacional. Se for parecida com modelos já existentes, deve ter algum diferencial, além de potencial de retorno financeiro e demonstração de que a ideia funciona: se já houver algum retorno financeiro ou for possível comprovar a adesão inicial do público, a proposta ganha pontos com os investidores.

 De executivo a empreendedor 
 Após 13 anos como executivo da Vale, Aracruz e Fibria-Votorantim, Marcos Barcelos decidiu investir seu capital em duas startups, ainda embrionárias. “Sempre investi no mercado financeiro, com o intuito de poupar, e assim consegui ter a liberdade de entrar no mundo do empreendedorismo”, conta.

 O ‘anjo’ de 36 anos uniu-se a dois grupos de três investidores para apostar em uma startup ligada ao mercado financeiro, e outra a serviços gerais, ambas embrionárias. “As duas propunham inovações que me atraíram pelas perspectivas de retorno e proposta de produto, além do bom relacionamento com o empreendedor, que considero fundamental. Sinto-me como dono do negócio”. Além do investimento, ele também pretende abrir duas startups próprias.

 Idade não é empecilho para empreender 
 A gerente de gente e gestão da Ambev, Carolina Augusta, conta que sonhava em investir em empresas desde os 20 anos. Hoje aos 26, ela tornou-se membro da Anjos do Brasil e avalia como aplicar seu capital, parte dele recebido de herança.

Grupos de investidores-anjo são comuns para dividir o investimento e diluir os riscos do negócio

Formada em relações internacionais, Carolina acredita que o mundo acadêmico e profissional forneceu a base para ingressar no empreendedorismo. “É muito importante trabalhar numa grande empresa antes de empreender, porque você cria uma visão sistêmica, desde conhecimento de todas as áreas, gestão de metas e de passivos trabalhistas, que geram grande impacto em qualquer negócio”, conta.

 Hoje Carolina prospecta ao menos cinco propostas de negócios para os próximos três anos, e já entrou como sócia no projeto de uma lanchonete, apesar de não acompanhar de perto os negócios da empresa. “Tive dificuldade em ingressar no universo de investimentos-anjo, no início, devido a minha idade e ao capital limitado que possuía frente outros investidores”, conta.

 Carolina ainda estuda se vai abrir sua própria startup com aporte de investidores-anjo, ou se pretende apostar como ‘anja’ em uma proposta de negócio que se interessou. Mas já tem várias ideias na gaveta. Ela planeja investir nos setores de moda, alimentação ou educação. Também pensa em um aplicativo para redes móveis ligado a saúde e esportes e, num futuro mais distante, sonha em empreender no comércio de cães e gatos de raças raras no Brasil. “Este é um gosto pessoal que gostaria de realizar no longo prazo”, diz.

 Ela considera que o investimento-anjo em grupos enriquece o negócio, além de aumentar o aporte e minimizar os riscos. “Investidores de perfis diferentes podem se complementar. Enquanto um prioriza metas e resultados financeiros, o outro cuida da parte criativa do negócio”.

 Barreira jurídica 
 A ideia é não só injetar capital para o negócio deslanchar, mas acompanhar o desenvolvimento da startup e tornar-se um mentor do empreendedor, segundo o fundador da Anjos do Brasil. Alguns investidores esperam a empresa crescer para vender sua parte e realizar os lucros. Outros assumem o projeto e permanecem como orientadores permanentes após a empresa deslanchar.

 Spina conta que os setores que recebem mais aportes de ‘anjos’ atualmente são de tecnologia da informação, empresas ligadas a internet e serviços móveis, como aplicativos. “Mas há também muita gente investindo na área educacional e de saúde, por exemplo”. O investidor-anjo costuma apostar na área que conhece como executivo ou acadêmico, mas o interesse pessoal também faz o gosto dos investidores.

 Para o número de ‘anjos’ avançar no Brasil, Spina acha necessário superar barreiras que ainda afugentam grande parte dos interessados neste mercado. “Potenciais investidores ainda têm receio de comprometer seu patrimônio com eventuais passivos da empresa”, afirma.

 O empresário considera que as empresas de capital fechado deveriam ter a mesma regulamentação jurídica das do mercado de capitais. “Os acionistas não respondem por todos os passivos das empresas de capital aberto”, exemplifica.
Fonte: iG 26/06/2013

30 junho 2013



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