02 outubro 2012

Antes de tudo, compreenda os interesses

O primeiro passo, ainda na preparação que antecede a uma negociação, compreender os próprios interesses é o caminho para o sucesso, segundo William Ury

 Nem o Sol que brilhou forte na capital cearense no dia 28 de setembro chamou mais a atenção das centenas de pessoas que se inscreveram para assistir a tão esperada apresentação de William Ury. Interagindo o tempo todo com o público, o palestrante compartilhou grande parte dos conceitos que vem desenvolvendo nos últimos 30 anos, ilustrando-os com histórias de importantes negociações de que participou e conflitos internacionais que mediou.

 Ury destacou que o ponto-chave para uma negociação de sucesso, antes de tudo, é identificar os próprios interesses. Para ilustrar, ele citou o exemplo de um conflito que mediou entre o governo da Indonésia e um grupo separatista. A situação era caótica: 25 anos de guerra com milhares de mortos e desabrigados. Requisitado para “fazer o meio de campo”, Ury encontrou as duas partes em Genebra, Suíça, e questionou por que o grupo queria a independência. “Estava claro que eles queriam separar-se da Indonésia, mas o motivo que os levou a esta posição era desconhecido”, contou. “Tinham adotado a posição, mas sem compreender, antes, os próprios interesses”, completou.

 O objetivo do especialista era, na verdade, fazer com que o grupo separatista entendesse se a revolta tinha motivação política, econômica ou cultural (ter o próprio idioma, participar da assembleia da ONU), etc. “Indaguei qual era a probabilidade de ganharem a guerra e eles confessaram que tinham consciência de que era impossível”, relatou, revelando que, essa pergunta fez com que os revolucionários encerrassem o conflito. “Eles refletiram e criaram um partido político. Já até assumiram o governo de uma província. Conseguiram avançar em seus objetivos, mas por outro caminho que não o da violência.”

 Reforçando a importância de se compreender os interesses antes de entrar em uma negociação, em Fortaleza, Ury contou também a história de duas irmãs que brigavam por apenas uma laranja: “Elas partiram a fruta ao meio – uma pegou sua metade e comeu; a outra pegou sua metade e usou a casca para fazer um bolo. Se uma tivesse se preocupado com os interesses da outra, ambas teriam aproveitado mais, já que uma comeria duas metades e a outra teria mais casca para o bolo, sem conflito."

 Pense, reflita e, então, aja 

 O maior obstáculo numa negociação é a tendência humana de agir sem pensar, segundo Ury. Para ele, o ideal é que funcionemos como a função “salvar rascunho” que existe nos computadores. “Pense, tome um café e reflita antes de agir”, aconselhou, apontando que a tomada de decisão está sendo prejudicada pela agilidade imposta pelo mundo atual. “Antes, você levava um bom tempo para receber uma carta. Hoje, tem que responder um e-mail em dois minutos. O que você deve fazer é respirar fundo. A preparação é fundamental. Não decida à mesa de negociação.”

 Mantendo a didática de contar casos verídicos, o palestrante lembrou-se de um seminário de que participou em Caracas, na Venezuela, há alguns anos. Na ocasião, ele foi abordado por executivos de alto nível de uma empresa que, apesar de pertencer ao governo, tinha sua administração independente – mais ou menos como acontece com os Correios, no Brasil. O problema do grupo que o procurou tinha a ver com o fato de que o presidente do país, Hugo Chávez, estava utilizando a empresa para empregar familiares, amigos e conhecidos. “Está errado. Aqui sempre houve meritocracia”, reclamavam os executivos.

 Ao perguntar o que eles pretendiam fazer a respeito da situação, o especialista em negociação foi surpreendido pela resposta: queriam entrar em greve. “Nunca imaginei diretores fazendo greve”, confessou ao público cearense, comentando, em seguida, que o interesse dos manifestantes de alto escalão era preservar a autonomia da empresa. “O problema é que com uma greve eles não atingiriam esse objetivo. Pelo contrário”, explicou. Mesmo assim, a greve aconteceu. Seis meses depois, Ury voltou à capital venezuelana e soube do desfecho desse caso: os executivos foram demitidos e Chávez aproveitou a oportunidade para tomar conta da empresa. “Eles agiram no calor do momento. Não pensaram antes.”

 Também da Venezuela vem outro exemplo compartilhado por Ury. Nesse caso, contudo, o desfecho foi mais interessante – isso porque ninguém agiu por impulso. “Certa vez, fui chamado para uma reunião com Hugo Chávez. Cheguei às 21h, como ele pediu, e esperei até 24h. Pensei que ele estaria sozinho, mas todo seu pessoal estava lá. Ele perguntou como eu via a situação do país e sua imagem junto à população. Eu disse que ele estava progredindo. Ao ouvir isso, ele gritou por 30 minutos. Eu esperei e, depois disso, ele perguntou a mim o que deveria fazer. Era quase Natal e sugeri que desse uma trégua de duas semanas para as pessoas refletirem, descansarem. Ele adorou a ideia, disse que iria à TV anunciar isso. O que aprendi é que não é interessante reagir, mas pensar antes de agir”, contou. 

Coloque-se no lugar do outro 

 Esse é um grande desafio. Em uma negociação, é preciso lidar com a dimensão psicológica e emotiva. “Para resolver isso, ouça”, recomendou Ury, ressaltando que é importante ouvir, principalmente, o que não está sendo dito. “Não é questão de decidir quem está certo ou errado, mas de entender o ponto de vista do outro e avançar em conjunto. Muitas vezes, nos concentramos no que vamos dizer e acabamos não ouvindo o outro lado”, explicou.

 O senso de justiça pesa na negociação 

 As pessoas rejeitam um acordo que, inicialmente, parece ser melhor do que nada, geralmente por acharem que ele não é justo. De acordo com Ury, a justiça é um ponto-chave na negociação. Ele exemplificou por meio de uma interação com o público: dividiu os presentes em duplas e pediu que cada par chegasse a um acordo para divisão de uma determinada quantidade de dinheiro. Uma espectadora – uma das poucas que aceitou ficar com a menor fatia do bolo – disse que o fez por achar justo, já que o departamento da colega com quem negociou era maior que o dela.

 Insights de William Ury no Seminário HSM em Fortaleza 

  • Antes, as decisões eram tomadas pelas pessoas do topo da companhia. Eles davam ordens e o restante obedecia. Hoje, as organizações estão mais achatadas, formando redes de negociação, ao invés de pirâmides de poder 
  •  Diariamente, começamos a negociar em casa, com cônjuges e filhos. Depois, continuamos negociando no trabalho, com chefe, colegas, clientes e fornecedores. É importante saber negociar, pois fazemos isso o tempo todo, para cima, para baixo, para um lado e para o outro. 
  •  Das decisões de que você participa no dia a dia, quantas são tomadas unilateralmente? Hoje, todos querem participar da tomada de decisão. Ninguém quer ser espectador. Nosso desafio como negociadores, na empresa principalmente, é incluir as pessoas nesse processo. 
  •  As negociações internas, muitas vezes, são ainda mais complexas do que as externas. Todo mundo tem que estar na mesma página, assim como acontece numa orquestra. Todos precisam falar a mesma língua para que o resultado final seja bom para todos.
  •  Muitas empresas só se preocupam com o bem-estar do cliente, mas esquecem do ambiente interno. Como satisfazer os dois lados? Não é fácil. O ponto-chave nessa abordagem é identificar os interesses e buscar um desfecho com ganhos mútuos.
  •  Em uma negociação, você não precisa brigar com a outra parte. Você pode simplesmente retirar dela a possibilidade de lhe atacar. Chamo isso de “retirar o bastão”. 
  •  Você deve ouvir a outro lado, não para refutar, mas para compreender quais são, de fato, suas necessidades. Ouça, sobretudo, o que não está sendo dito. Isso contribui para construção de um relacionamento salutar.
  •  Às vezes, é bom introduzir um pouco de silêncio na negociação. No Oriente, as pessoas não têm problemas com o silêncio, enquanto no Ocidente nos sentimos desconfortáveis com ele. No elevador, por exemplo, sempre sentimos necessidade de falar algo.
  •  Uma vez identificados os interesses, chega o momento de pensar em uma solução criativa. A mesma criatividade que usamos para desenvolver novos produtos pode ser utilizada para solucionar uma negociação.
  •  Um "não" pode ser positivo. É como usar os pés para caminhar, em vez de usá-los para pisar nos calos alheios. A sociedade divorciou as palavras "sim" e "não". Precisamos casá-las novamente para chegar ao "não positivo”.   Leia mais..

FONTE: Portal HSM 29/09/2012

02 outubro 2012



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